Campanha nacional alerta para que pais ou responsáveis não estimulem a erotização infantil

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Uma campanha surgida no Amazonas se espalha pelo resto do país. Desde 5 de abril, quando a Secretaria de Estado da Assistência Social lançou na internet o slogan Criança não namora, nem de brincadeira!, milhões de brasileiros se manifestam nas redes sociais acerca do tema. Com a hashtag #criancanaonamora, a ação se espalhou mobilizando pais, escolas e profissionais. A intenção do governo amazonense é o combate à erotização infantil, o que não significa reprimir as expressões de afetividade entre as crianças.

A iniciativa ganhou uma parceria de peso do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Três dias depois do lançamento, a instituição fez uma publicação na página do Facebook. A postagem bateu recorde alcançando 12 milhões de pessoas e 150 mil compartilhamentos, tornando-se a mensagem em rede social de maior repercussão do CNJ desde a fundação, em 2004.

O objetivo é estimular o debate sobre os riscos da erotização precoce, que peso dar às conversas das crianças sobre o assunto e que consequências pode haver sobre a antecipação à infância de uma situação que se manifesta normalmente no começo da adolescência, entre nove e 12 anos, e não antes disso.

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Para o psicólogo Luiz Coderch, coordenador dos Centros de Convivência da Família e do Idoso da Secretaria de Estado de Assistência Social do Amazonas, um dos objetivos da campanha é orientar os adultos a reconhecerem que a relação existente entre as meninas e meninos de menor idade é a amizade. Para o especialista, incentivar o namoro na infância pode “adultizar” e até mesmo estimular a erotização precoce.

— O adulto não deve reprimir as expressões de afetividade da criança, mas também não há necessidade de transformar relações de respeito e carinho em namoro. Temos relatos de professores de crianças de quatro anos que dizem se esconder para se beijar na boca — diz.

Pedido de casamento aos cinco anos

Os organizadores da campanha sabiam que estavam tratando de um tema delicado e que diz respeito a um grande número de famílias. Mas admitem terem sido surpreendidos com a repercussão no resto do país e histórias narradas.

Em um dos depoimentos, uma mãe da cidade do Rio de Janeiro relata que a filha de cinco anos recebeu um pedido de casamento em cartão feito pela mãe de um amiguinho do colégio. Apesar de ter exposto o acontecimento à direção da unidade educacional, ela foi aconselhada a entender que mães de meninos costumam ter esse tipo de comportamento. Para ele, situações assim mostram que muitos pais e professores precisam de suporte.

— Geralmente, as crianças reproduzem o comportamento dos adultos, então, esse é um problema de toda a sociedade.

A campanha Criança não namora, nem de brincadeira! conta com a parceria do blog Quartinho da Dany, da professora Dany Santos, que escreve sobre a proteção a infância e maternidade consciente.

— Não é engraçadinho incentivar beijinhos de namoro ou declarações de amor entre as crianças. É nosso papel separar o mundo adulto do infantil — diz.Maria Helena Vilela faz parte do Instituto Kaplan, entidade não-governamental que trabalha com educação sexual.

A especialista tem um canal no YouTube onde fala do assunto. Para ela, estimular a criança a ser o que ela ainda não é irá fazê-la viver um personagem que ainda não está preparada para ser. Nas “brincadeiras” de namoro que os pais fazem com os filhos, ainda que sem a intenção, eles acabam passando uma ideia de responsabilidade que os filhos não conseguem assumir, como ao não serem “correspondidas”. Isso pode levar a um sentimento de frustração e baixa estima.

Orientação é papel dos pais, diz especialista

A erotização precoce de meninos e meninas cresce desde que a criança se tornou um nicho de mercado, avalia a doutora em Psicologia da Educação e docente da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Valéria Silva Ferreira. Para ela, pais e mães acabam incentivando esse processo, muitas vezes sem notar, ao vestir os filhos com roupas muito curtas ou justas, por exemplo.

— É preciso deixar a criança ser criança e a melhor maneira de fazer isso é permitir que ela possa brincar e vestir roupas confortáveis para isso. Percebo nas escolas que as crianças acabam se privando de mexer com tinta, por exemplo, porque estão com as unhas pintadas — destaca.

Valéria ainda acrescenta que a partir do momento que o pequeno é exposto a músicas de adulto, por exemplo, ou começa a ser apresentado a coisas que não fariam parte daquela etapa da vida, ele perde o interesse pelo resto porque vira um mini adulto.

Já entre as práticas que poderiam frear o comportamento, a secretária de Assistência Social de Florianópolis, Katherine Schreiner, defende desde a necessidade de supervisão, impedindo que conteúdos impróprios para as crianças cheguem até elas, até evitar a chamada terceirização da educação.

— É preciso orientar, não necessariamente dizendo se aquilo é certo ou errado, mas demonstrando a diferença entre assuntos infantis e àqueles que apenas no futuro serão a eles condizentes. Imagina-se, de forma equivocada, que a escola deve fornecer não apenas a educação regular, mas também conceitos morais e limites. É necessário garantir que a criança aproveite a infância — sugere Katherine em nota enviada por meio da assessoria de imprensa.

É preciso tempo para assimilar as etapas da vida, diz especialista

O psicólogo João Daviz Cavallazzi Mendonça, pai de dois meninos, um de nove e outro de três anos, compartilha a preocupação das famílias sobre o tema. Muitas vezes ele diz perceber a avalanche de estímulos que as crianças recebem, as quais os afastam de atividades infantis. Cita, por exemplo, as festinhas de aniversário na escola que são vistas como ‘baladinhas’ simulando o tipo de festa para jovens, inclusive, com as mesmas músicas.

— Fico me perguntando se seria hora para as crianças vivenciarem esse tipo de situação em vez de estarem brincando — diz.

O especialista acredita que a valorização da estética, onde meninas e meninos usando roupas de adultos e o uso exagerado de acessórios e cosméticos por parte das meninas contribuem para a erotização precoce. Assim como certas danças que parecem coreografias e exageram nos movimentos do corpo. Muitas vezes, observa, isso ocorre diante do olhar das mães ou responsáveis que acham tudo normal:

— Quando isso ocorre, é sinal que temos um problema, ou seja, falta espírito crítico por parte dos responsáveis pelas crianças.

Sobre a questão do `namoro¿, o psicólogo acredita que seja natural as crianças andarem de mãos dadas para demonstrar afeto. O problema é quando o adulto dá a essa atitude um viés diferente:

— Existem muitos casos de machismo, onde o pai passa a chamar o filho de ‘pegador’ ou ‘essa menina vai dar trabalho’.

O especialista alerta:

— A criança precisa de tempo para assimilar as etapas da vida. O psicólogo chama a atenção também para a facilidade que a criança tem para acessar conteúdos de mídias, como TV e Internet, que apesar de serem considerados para crianças, introduzem temas relacionados à sexualidade. No caso, a responsabilidade da blindagem é dos adultos.

Por Diário Catarinense
Colaborou Larissa Neumann

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