Isaque de Borba – A História do avião que caiu na praia de Camboriú.

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Não tem aquele jovem abobadinho que quando bota umas meninas dentro do carro fica bobinho, dá cavalo de pau, faz zerinho, corre feito doido e tira fino dos outros só pra se aparecer?
Pois é, acho que com avião é a mesma coisa. Nos bons e velhos tempos que pousavam aviões em nossa praia, apareceu um piloto plaiboy desses por aqui. Logo que o triste apoisou na praia, começou a sassaricar com o avião pra lá e pra cá, deu cavalinho de pau, fez zerinho, na medida do possível é claro com o avião.
É que geralmente eles pousavam na frente do Hotel Balneário, ali num lugar onde a Praia faz uma curva, lugar que a gente chamava de “Saquinho”, em virtude daquela curvatura.
Acontece que a proprietária do Hotel Balneário, dona Lilly Onckem, tinha pelo menos duas filhas lindíssimas que eram uma atração nessa praia e os caras ficavam loucos, pirado, ao verem as duas gatinhas.

Uma delas a Dona Carmem pediu pra dar uma voltinha e o piloto ficou todo bobo e começou a fazer umas murisquetas já em terra.
Aprumou o avião lá pras bandas do Hotel Miramar bem na “boca da praia” onde era o point-mor da galera. Foi lá só pra se aparecer. Deu umas rabanadas na frente da tchurma, zangaliou o avião pra cá, zangaliou pra lá, deu um currupiu e a galera gostou. A galera gostou da brincadeira, apupou, assobiou, bateu palmas. Ah pra quê? Não se faz isso pra gente abobada. Abobado sem platéia já é chato, com platéia ele dobra a idiotice.

Aprumou a aeronave pra banda do sul e foi taxiando ‘degavazinho’ até no Hotel Balneário novamente pra voltar e se “inzibir” de novo. Eita boçal chato!
Quando então arremeteu aos céus sob aclamação da galera idiota que pouco via dessas coisas voando por aqui. Um dos abobadinhos que viu o avião levantar, me contou que foi mais o irmão, andando de 4 pés, cheirando o rastro do avião e dizendo: “Ai que cheirinho bom, hummmm cheirinho de avião” – Vai vendo o nívi dos expectadores!
Mal a calhambeca dele alçou vôo, o “inzibido” já começou a fazer bobiça. Deu uma piroleta pra cá, outra prá lá, tirou uma fina do coqueiro da ilha, deu uma rasante em riba da linha dágua e carcou um looping em cima do rancho do Mané Germano na Prainha que arrancou o telhado e avoroçou palha pela praia inteira e acabou o looping dele no Morro da Aguada nas laranjeiras para o delírio da bocozada e daí não parou mais. O exibido deu parafuso, fez piroleta, homerhead, touneau, perna de 8 cubana e os cambau. A turba em baixo do avião de boca aberta ovacionando o estrupiço e aí que ele inventava mais murisquetas no ar, com aquela cangalha que não tinha esses ‘apreparo’ todo para fazer tantos currupius no ar.

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Mas o piloto não contava com o ZOLHO RUIM de um cidadão de andava de zóio na beldade que ele estava carregando. O ciúme corroia o danado do zolhudinho, que tanto secou o estopor do piloto que não deu outro bicho. O seca-pimenta conseguiu emborcar o avião, vai vendo!
O piloto infeliz inventou de tirar uma fininha das águas com uma das asas da sua libélula voadora, mas o olho do zolhudo secador, fez levantar uma onda e o piloto deu com os corno no vagalhão, bruculhou na água e esteporou a fumbica toda. A damoisela dele não serviu mais nem pro ferro velho, até porque tinha mais madeira que lata. Sem contar que exibido ainda apanhou uns bons tabefes em derridó das zorelha por parte de seu Paulo Onckem, pai da moça, because de quê, ia matando a filha mais bonita dele.

O espetáculo virou um drama. Era gente correndo que nem formiga pra dentro da água pra ver se salvava alguma coisa, pelo menos a Carmem, coitada, que estava de carona.
O acidente foi assistido e reportado pelo nosso poeta maior que não perdeu tempo e foi logo tirando um pasquim. Loca Camboriú, nosso grande poeta, utilizando-se dos personagens mais singulares da nossa praia, fez belos e engraçados versos. Veja como foi alguns desses versos, repórter ocular da tragédia.
Loca era o encarregado de cuidar do avião e viu tudinho acontecer e tirou esses versos:

“Vinha um avião do sul, no dia 13 de março,
O aviadô era bom, rapaz de desembaraço,
deu quatro vortas no ar, sem demora estava em baixo.”

Quando ele fala em rapaz de desembaraço, já pode ver que era um falastrão. Acho que foi dia 13 de março de 1945.

“Parou o avião na Praia, veio a Carmem da Lilly,
D. Carmem que sabia que ia pro Itajaí,
Tratô com o aviadô, prás nove horas saí.

Das nove para as dez horas, D. Carmem embarcô,
Sentou-se bem atrás, nem via o aviadô,
Não tinha andado cem braça e o avião emborcô.

Emborcô o avião, as asa ficou pro baxo
D. Carme ficô presa, foi tirada pelo braço,
Se leva mais dez minutos ela saía em pedaço.

Dona Lilly veio na praia, viu o avião levantá,
Deu um ataque e caiu, quando viu ele emborcá,
Disse lá morreu a minha filha, eu também vô mi matá.”

Segundo o autor, dona Lilly desmaiou de verdade.

“Dona Lilly é dona, desse riquíssimo hotéli,
Na sua frente está escrito um “B”, um “A” e um “L”.
Todo mundo pode lê esta folha de papéli.”

O hotel retratava seu nome em letras garrafais:
“HOTEL BAL. CAMBORIÚ”.

“A praia tava repleta, de homens da posição,
O Antenor era o fiscáli e o Olímpio o escrivão,
O Presidente era o Alfredo, mais o Artur alemão.

Eu não sei a conta, do pessoal que tinha,
Ôh que moço descarado, o Olímpio da Bilina
É quem queria tomá conta do tanque da gasolina.”

Olímpio Silva era filho de Dona Umbelina Silva, irmão de Marciano Silva, nos o chamávamos de Tio Linta.

Disse-me o autor, que a jovem Maria do Bibiano era “fraca da cabeça”. Descobri depois que a menina era portadora da síndrome de Down. Nesse tempo, quanto maior a deficiência, melhor saía o bullying. O Loca me reportou que a menina era muita chata, fazia perguntas insistentes e ninguém gostava dela.Perguntava inistentemente se o avião era um pássarinho, se botava ovo. No momento a Maria do Donato estava se escondendo para evitá-la. Daí ele tirou o verso:

“A Maria do Bibiano, moça de rosto redondo,
A Maria do Donato, quando vejo ela mi escondo,
Ela veio priguntá, se o avião estava pondo,
Eu não oivi muito ela, porque o mar dava estrondo.”

Vô priguntá pro piloto, quando o avião vai pô,
Maria tu dexa o ovo, que eu levo e te dô,
Porque o avião voa muito e o filho ainda não avuô,
Tu não bota o ovo fora, é um conselho que te dô”

O pasquim retratava fatos fieis da história.
Pedro Militão Rebelo era um famoso tropeiro da nossa antiga praia e morava ali perto na Av Central e alguém foi de fato lá buscar cordas pra “sungar” o avião pra terra.

“Daí foi um portadô lá no Pedro Militão,
Foram lá pedi um laço, para puxá o avião,
Puxaram o bicho pá riba, como que puxa um cação.”

Do teco-teco do infeliz pouca coisa se aproveitou. Naquele tempo a gasolina era uma novidade por aqui, artigo difícil de se encontrar. Correu a notícia que estavam dando a gasolina. Muita gente foi à praia para apanhar esse raro e muito valioso combustível. Loca Cambriú contava que se botava fogo na gasolina só pra ver queimar e a bocozada ficava muito admirada da facilidade com que aquele líquido pegava fogo.
Continua o pasquim:

“Bem na boca do caminho, na entrada do Miramar
Vi homens muito triste, mulhé querendo chorá,
Com as suas vasilhas secas, sem ali pudê chegá.”

Boca do caminho ou boca da praia ou saída da praia, era a Avenida Central com a praia.

“O Zé da Sebastiana, mais o Bráulio do João,
Foram os primeiros que puxaram no mojo do avião,
Encheram uma lata velha e um caco de boião,

Encheram suas vasilhas e saíram a dizê:
E aí foi chegando gente com vasilha para inchê,
Até panela sem arça, eles chegaram a trazê.

O povo da Vila Real e a gente do Tabuleiro,
Não se via só um pobre, que não trouxe seu isqueiro,
Para queimar gasolina que não custava dinheiro.

A familha do Pinheiro, disparou lá da Camboa,
Não arregaçaram as carça, nem respeitaram as lagoa
Para adiquiri gasolina, corriam como quem voa.

Foram em casa do Antonho, falá com a Chiquinha,
Arruma uma vasilha, podia sê piquinhinha,
Priguntaram se lá na Ponta* tava dando gasolina.”

Muitas pessoas se referiam ao centro como “Ponta”. E essa busca por gasolina foi verdade mesmo.

“O sinhô Antonho Bideca*, tanto pula como dança,
Disse para mulhé, eu vô é na minha vizinhança:
Ouvi dizê que o avião, lá pisou muita criança!”

Como dissemos quando maior o defeito, maior era a graça. O Antônio Bideca, coitado era aleijado, tinha uma perna mirrada, mas essas gozações em cima de deficientes agregavam humor a esse tipo de jornaleco difamador, muitas vezes proibidos por algum agente da lei. Era proibido principalmente se o assunto era agressão ao agente político ou conteúdo pornográfico. Racismo e preconceitos não existiam, por isso o autor faz questão de dizer no primeiro verso, que “todo mundo pode ler essa folha de papel”. O pasquim tinha ao todo 175 versos.

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Por
Isaque de Borba Corrêa
Historiador e Escritor
Nasceu no “logar Praia”, zona rural da cidade de Camboriú. É membro da Academia Desterrense de Letras e da Academia de Letras de Balneário Camboriú.
https://www.facebook.com/isaquedeborba.correa

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