“Não conseguimos resultados em segurança sem coletividade”, diz instrutor brasileiro da Swat

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Conhecido como “O Brasileiro na Swat”, o capixaba Marcos do Val já foi militar no 38º Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro. É instrutor e membro honorário da Special Weapons And Tactics (a Swat, unidade tática dos departamentos de polícia dos Estados Unidos) do Texas. Fundou a empresa CATI, especializada em treinamento tático policial com sedes nos EUA e Europa. Por isso, recebeu do Governo Federal dos Estados Unidos o visto de trabalho 0-1, designado para pessoas condecoradas internacionalmente e que tenham habilidades de interesse do governo federal americano.

Atualmente, divide o tempo entre os Estados Unidos e o Brasil, onde também oferece consultorias e palestras sobre segurança pública. No sábado, estará em Florianópolis para a 3ª edição do Condomínio Summit, voltado para síndicos e que neste ano terá foco na segurança. O evento é gratuito e acontecerá no dia 26 de novembro, a partir das 14h, no Centrosul. Marcos do Val será a principal atração, com a palestra “Construindo uma Segurança de Elite para o seu Condomínio”.

Na entrevista feita por telefone, do Val falou sobre a situação da segurança pública no Brasil criticando a legislação, que considera permissiva em comparação com à dos Estados Unidos, e ofereceu dicas pessoais para evitar situações de risco.

Uma das maiores preocupações do catarinense, escolhida pelos nossos leitores como uma bandeira a ser levantada pelo DC, é a segurança pública. Como você enxerga a situação do Brasil: podemos generalizar os problemas ou há aspectos individuais em cada Estado ou região?
Eu acho que o Brasil inteiro passa por um momento muito crítico na segurança pública. Uma deturpação de valores, uma legislação permissiva. Trabalhando nos Estados Unidos, vejo uma legislação muito rígida, que não é feita com a ideia de que o bandido é um excluído da sociedade, que não teve oportunidade. Se você analisar friamente, lá tem escola para todo o mundo, tem emprego para todo mundo, e também tem a maior população carcerária do planeta. Então, não é a falta de oportunidades que faz a pessoa cometer crimes. É a personalidade, a opção de ela entrar para o crime. E a legislação brasileira não vê dessa forma, vê como se fosse um excluído. É claro que tem alguns casos, lógico que tem, mas é quase a minoria.

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Essa legislação no Brasil acaba complicando o trabalho da polícia. Tem muita demanda, muitos crimes, o Judiciário e a polícia judiciária não dão conta dos processos, há sensação de impunidade. Aí vem a lei do desarmamento, que tirou a possibilidade do cidadão se defender, deixando somente a polícia e os bandidos com armas. A polícia tem que ser totalmente cuidadosa, enquanto os criminosos não têm qualquer cuidado, revidam as ações policiais com facilidade, disparam muitas balas perdidas, são mais violentos.

É um problema que vem acontecido no Brasil inteiro. A gente tem visto a legislação ficando rígida para quem dirige alcoolizado, para a direção, por exemplo, e não vê a mesma rigidez para crimes violentos, assassinatos.

Também há no Brasil uma fala muito perigosa que é a do ¿bandido bom é bandido morto¿. Isso precisa mudar. Quando você fala isso, acaba dando carta branca para os maus policiais agirem; a própria sociedade que fala isso é a mesma que vai protestar na rua dizendo que a polícia é violenta. Há essa incoerência. Que quando você fala isso, o bandido sabe que quando a polícia chegar ela vai fazer o que a sociedade está pedindo e acaba revidando, se armando mais, ficando mais violento. Então começa a ter um índice de combate muito grande que eu não vejo nos Estados Unidos. Lá, se o cidadão atirar contra um policial, ele já tem de cara uma prisão perpétua. Se matar, pena de morte. A proteção do agente da lei é muito grande. Aqui não temos isso, o policial não tem a autoridade que deveria ter.

Tanto aqui no Brasil quanto nos Estados Unidos a gente vê cada vez mais notícias de erros policiais. Como você percebe a repercussão disso lá e aqui?
Isso tem no mundo inteiro. A ação policial é uma linha tênue. Por exemplo, quando vai abordar um carro com película no vidro achando que tem uma senhora dentro, pode ter um traficante. Ou o contrário, precisa abordar achando que tá cheio de traficantes e tem uma família. É um trabalho muito complexo, decidir em frações de segundos entre atirar e não atirar. Mas se for pensar em números, temos mais 300 mil policiais trabalhando no Brasil a cada minuto, a cada segundo, todos armados, várias abordagens, operações, apreensões, 24 horas por dia. Aí você tem uma fatalidade. A proporção é muito pequena, mas a comoção é muito grande. A imprensa vai noticiar, a população quer saber que tragédia é essa, mas o índice de incidentes é muito baixo em relação ao número de procedimentos policiais que acontecem no Brasil inteiro. A mesma coisa ocorre nos Estados Unidos, mas os americanos entendem que são eventualidades.

Atualmente, o principal problema da segurança pública em Santa Catarina é a guerra entre duas facções pelo domínio do tráfico de drogas. Como o poder público deve agir para oferecer segurança ao cidadão?
Primeiro, ter em mente que quando um Estado reprime o crime, os criminosos naturalmente migram para outros Estados. Eles não somem de uma hora para outra. Mudam o modus operandi. Nisso, a sociedade deveria participar mais da segurança pública e não apontar que ¿fulano deve fazer isso, a polícia tem que fazer, o prefeito tem que fazer¿… Não vejo isso nos outros países. Nos Estados Unidos eu vejo a participação efetiva da comunidade junto com o trabalho da polícia, em reuniões, em ideias, trabalho voluntário. No Brasil falta essa participação da comunidade em realmente querer ajudar, e não apenas cobrar. A polícia está enxugando gelo, está sozinha nessa batalha. Quanto mais você valoriza e ajuda o policial, mais ele fica motivado a fazer um serviço melhor. Se hoje a gente não tem essas ferramentas, que dependem de uma eleição, de verba pública, o mínimo que pode fazer de imediato é dar força e apoiar os policiais, para eles se sentirem motivados e render mais no trabalho.

Que tipos de mudanças você sugere, de forma mais específica, para melhorar a segurança no Brasil?
A mudança completa da legislação. Uma lei mais rígida. A pena máxima é 30 anos, mas o máximo que fica na prisão é um terço disso. Nos Estados Unidos, é prisão perpétua ou pena de morte, dependendo do Estado. Não acredito que no Brasil, hoje, seria prudente coloca pena de morte, mas uma prisão perpétua eu sou a favor, para ele entender da penalidade do crime que cometeu. Virar exemplo para outros não cometerem o mesmo. Acabar com a sensação de impunidade. A lei no Brasil, a gente acha que tem que ser feita sempre para os outros. Para a gente, pode ser adaptada, quebrada, ter mais permissividade. Tem que funcionar para todo mundo. A Tolerância Zero em Nova York era assim, para tudo: para quem colocava lixo para fora de casa fora de horário até para o criminoso. Todo mundo foi sendo punidos.

Isso passa muito pela noção de coletividade. O brasileiro não tem isso, é muito individualista. O trabalho americano é sempre ¿o que eu posso fazer para mudar o meu condomínio, meu bairro, minha cidade e meu país¿. Aqui é sempre ¿o que eu posso fazer para me ajudar, melhorar minha vida, e o outro que se vire¿. E não conseguimos ter resultados na segurança desse jeito, sempre precisamos do outro. O outro vai fazer a diferença para a nossa proteção.

E qual o papel do sistema prisional em tudo isso?
Na maioria dos Estados, o sistema prisional é desumano. Temos alguns bons exemplos. No Espírito Santo temos um presídio muito parecido com o do Texas, onde vivo. Um presídio humano e rígido, de segurança máxima. Lá tem a maior população carcerária do planeta, muitos presídios, áreas enormes, unidades juvenis, de adultos, femininos. Mas são presídios que têm uma boa estrutura, até com hospital dentro, é um investimento muito alto. E eles olham isso de forma positiva. Não é ¿construir mais escolas e construir menos presídios¿. Não tem nada a ver uma coisa com a outra: mesmo tendo muitas escolas, tem muitos presídios. Eles sabem que precisa ter mais vagas porque a legislação é rígida. Qualquer coisa você é preso. Se você recebe uma multa que custa 300 dólares e não tem dinheiro para pagar, pode ser voluntário e ficar preso três dias quitar a dívida com o Estado. O presídio é como se fosse um grande castigo da sociedade, desde os pequenos delitos até os mais graves, que resultam em pena de morte.

Uma discussão que volta e meia surge no Brasil é a da volta do porte de armas. Em paralelo, nos EUA se discute o fim dele. Como você enxerga essa questão?
Eu sou a favor da posse de armas, dentro dos critérios que já existem: ficha limpa, sem antecedentes criminais, fazer um teste psicológico, um teste de habilidade de tiro. Com todos esses requisitos, não vejo problema ter uma arma de fogo dentro de casa para poder proteger a sua família.

Para o porte, eu acho que tem que ser mais rígido, mas não como é hoje, que o delegado da Polícia Federal tem o poder de conceder ou não de forma subjetiva. Você vai colocar no papel as justificativas da solicitação e ele pode decidir por uma simples foto 3×4 e achar que você não deve andar armado.

Mas é o seguinte: o porte de arma é mais para defender terceiros. Porque se você for abordado de surpresa, dificilmente vai conseguir sacar a arma. A vantagem é ter um terceiro que vai fazer a sua defesa. O americano quando porta uma arma é sempre para ajudar outras pessoas, e outras pessoas vierem te ajudar. Se um ladrão me abordar, eu fico com a mão pra cima, mas vai ter um cidadão armado para me proteger. E se você usar a arma de forma ilícita será severamente punido.

Que medidas o cidadão comum pode tomar para se sentir mais seguro nas ruas e dentro de casa?
O que tem dado muito problema hoje em dia, é o celular. Quando você está caminhando pela rua ou parado dentro do carro falando no celular, fica distraído, perde a visão periférica e torna-se um alvo muito fácil. É uma ferramenta ótima para os bandidos, que além dos próprios celulares que querem obter, às vezes é um carro, entrar no apartamento, e o aparelho distrai muito as pessoas. Quer falar ao celular? Espera, entra numa loja, aí você atende. Mas quando estiver na rua, sempre fique com ele no bolso, em local não visível, atento.

É importante também sempre fazer boletim de ocorrência. Com ele, a polícia consegue fazer estatística e planejar ações em determinadas regiões. Mesmo que aquele crime não seja solucionado, você ajuda na montagem da estatística.

Os condomínios oferecem cada vez mais opções de serviços para que os moradores evitem as ruas e longos deslocamentos. Fechar-se ao que acontece lá fora é um caminho a ser tomado?
Por causa da violência nas ruas, da situação que o país vive, as pessoas estão se fechando, criando seus próprios ¿presídios temáticos¿. Eu moro em dois condomínios. Nos Estados Unidos, é sem muro, aberto. Aqui é um condomínio fechado, com toda a área de lazer. E a sensação que eu tenho é realmente de um presídio fechado, com vários seguranças. A violência muda até o urbanismo no Brasil. Mas eu não vejo isso ser resolvido a curto ou médio prazo. Ainda teremos mais paredes, mais espaços sendo fechados. Essa cultura não muda tão cedo.

Marcos do Val citou algumas dicas práticas que os cidadãos podem tomar para evitarem se colocar em riscos:

– Fique sempre atento na rua;
– Quando buscar alguém, saia do carro, feche e espere do lado de fora;
– Não ande com coisas de valor;
– Vá ao banco acompanhado. Em dois, é mais difícil ser abordado do que sozinho.

 

(Por Tomás M. Petersen – Diário Catarinense)
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