Caridade: Famílias de Itajaí adotam idosos para fazer companhia no Natal

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Foi necessária somente uma visita para que as irmãs Sany Lima e Keitty Siemann se apegassem a Abigair Miziara de Freitas, 85 anos. Com as lembranças consumidas pelo Alzheimer, Abigair vive o presente. Mas neste Natal será diferente. O porta-retratos que receberá de presente das irmãs, que a conheceram neste mês, vai reacender uma lembrança: o Natal da idosa com direito a ceia, amigo-secreto e familiares das duas irmãs.

A celebração com ares tradicionais terá um sabor diferente para dona Abigair, que vive no Asilo Dom Bosco, em Itajaí: será a primeira fora da instituição em três anos.

Ela faz parte do grupo de idosos da entidade que não têm familiares ou foram abandonados. Para proporcionar o acolhimento deles, a casa, que existe desde 1936, promove há sete anos a adoção para as comemorações de Natal. Neste ano, a campanha é aberta à comunidade pela primeira vez.

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Antes, ficava restrita aos 58 funcionários da casa e 15 voluntários. Dos 78 idosos do Dom Bosco, apenas 14 devem passar o Natal com a família ou pessoas próximas neste ano. O restante fica à espera de irmãs como Sany e Keitty.

– Primeiro, a gente busca a família para mostrar a importância dos idosos saírem daqui para passar a data com eles. Os que não têm família ou os que a gente não tem sucesso, aí sim vemos quais pessoas poderiam acolher – reforça a coordenadora do Dom Bosco, Muriel Duarte.

A funcionária pública Sany e a dona de casa Keitty não tiveram dúvidas em receber Abigair. Neste dia 24, a idosa participará do amigo-secreto da família delas, receber presentes (além do porta-retratos, ganhará um vestido) e celebrar. Para as irmãs, é a oportunidade de fazer o bem e ajudar:

A ceia de dona Lourdes será ao lado de Tânia (E) e Aline Foto: asilo,casa de repouso,instituição,idoso,natal / Agencia RBS

– Ficamos muito emocionadas, porque no olhar a gente percebe as carências. Eles recebem muitos presentes nesta época, mas a parte do carinho é o que mais precisa – diz Sany.

A relação de Sandra Alexandrina, 48 anos, com a casa de repouso começou há mais tempo. No Dia do Idoso de 2013, a empresária, que trabalha com decoração de eventos, recebeu uma ligação para alugar uma máquina de algodão-doce para a entidade. Não cobrou o aluguel e, desde então, organiza e decora os eventos do Dom Bosco, além de participar nas danças e até ajudando a alimentá-los.

Neste Natal, deu mais um passo e decidiu levar três idosos para o Natal em sua casa, até então restrito aos familiares mais próximos:

– É para tentar diminuir um pouco a tristeza deles. E a nossa recompensa é muito maior, além da alegria de estar com eles.

A coordenadora Muriel destaca que a iniciativa também é importante para trazer novos voluntários para a instituição. E lembra que há outras datas como Páscoa e Dia das Mães que também são fundamentais para a boa ação.

Fátima convidou dona Maria Vergínia a passar a data em sua casa Foto: asilo,casa de repouso,instituição,idoso,natal / Agencia RBS


Maria Vergínia dos Santos anda sempre acompanhada de uma boneca. Com 83 anos, acumula surdez, demência e quase 10 anos na instituição, mas não perde a doçura.

No Natal de 2014, ganhou da aposentada Fátima Duarte uma cadeira de praia infantil para acomodar seu corpo miúdo. E neste ano, dona Maria passará mais uma festa com a família da aposentada, que nem cogita parar de receber os idosos no Natal, boa ação que pratica desde 2009:

– A gente prepara rosca e bolo para eles comerem tudo o que têm direito. A festa de Natal já transborda o coração da gente, com eles mais ainda. No fim, é mais gratificante para gente, que acolhe, do que para eles, porque faz muito bem – conta Fátima.

A aposentada é voluntária e ajuda a instituição o ano inteiro, quando aproveita o tempo livre para costurar cortinas, roupas e acessórios para os idosos.

– No próximo ano, quero levar todos eles e, se der para dormir, melhor ainda. Tenho que vir buscar de ônibus – brinca.

Outros funcionários e seus familiares também abrem as portas para os idosos. É o caso da psicóloga da entidade, Aline Emílio. Ela prefere decidir em cima da hora quem vai convidar. Ao passar para preparar a decoração no refeitório no dia 25, vê quem está sozinho e convida para ir na casa da sua família almoçar.

Foto: asilo,casa de repouso,instituição,idoso,natal / Agencia RBS

A idosa Lourdes Juthel, de 72 anos, vai passar a data com uma sobrinha, mas lembra com carinho do Natal em que esteve com Aline e toda sua família:

– Aline me convidou e eu fui. A comida era muito gostosa. Eu brinco e, se tiver que dançar, eu danço um pouco também.

A coordenadora da entidade reforça que é preciso respeitar o perfil e a vontade de cada idoso, além de promover esse contato prévio entre os velhinhos e quem deseja acolher para garantir que todos se sintam confortáveis.

O afastamento do convívio e das relações afetivas e familiares é um quadro comum nas instituições de longa permanência para idosos. Assistente social da equipe do Núcleo de Estudos da Terceira Idade (Neti) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Maria Cecília Antonia Godtsfriedt afirma que, nesta época do ano, muitas vezes o cenário é de ainda mais entristecimento e queixas diante da perda de vínculos.

Assim, iniciativas como a do Asilo Dom Bosco são positivas para que eles também percebam o clima natalino.

Foto: asilo,casa de repouso,instituição,idoso,natal / Agencia RBS

– Toda movimentação intergeracional que se tem e que foge daquele fluxo médico e de atendimento que eles têm é um acréscimo positivo para o idoso. Ele pode, de uma certa forma, mesmo que momentaneamente, vislumbrar a possibilidade de novas relações sociais e pessoais – ressalta a especialista.

Mas nem sempre é possível. Na instituição de idosos da Sociedade Espírita de Recuperação, Trabalho e Educação (Serte), em Florianópolis, dos 55 velhinhos, 41 têm alguma demência, o que dificulta a adaptação, explica a coordenadora da entidade, Rosarita Bousfield. Ela observa que no máximo 20% dos idosos passam o

Natal com a família. O restante ceia na instituição, que promove festas e dá presentes aos velhinhos com a ajuda de voluntários.

– Nesta época do ano, as pessoas ficam mais sensíveis e nós temos muitas pessoas que colaboram – acrescenta.

(Por Karine Wenzel – O Sol Diário)

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