A paisagem bucólica de Taquaras, localidade do município de Rancho Queimado, na Grande Florianópolis, esconde edificações que pararam no tempo. A modernidade dos veículos automotores chegou neste cantinho catarinense no anos 1950, quando acreditava-se que o que viria a ser a rodovia BR-282 passaria por ali. No final daquela década, Teófilo Schütz decidiu fechar seu antigo posto de combustíveis — que funcionava com bomba manual —, inaugurado 10 anos antes, para assinar contrato com a companhia norte-americana Texaco e inaugurar o mais moderno ponto de parada da região, em 1959. Ali, os caminhões de reboque carregados de toras de madeira, feitos pela Fábrica Nacional de Motores (FNM), paravam para abastecimento e reparos. Ao lado havia um hotel, caso os motoristas quisessem tirar uma pestana antes de seguir viagem rumo ao litoral.
— Na época, era um posto super equipado. Tem rampa de lavação, espaço para engraxar os veículos e oficina mecânica. Era “O” posto, tinha muito movimento. Agora, a cidade ficou no esquecimento — conta o engenheiro civil Luciano Schütz, neto de Teófilo.

O esquecimento a que se refere é a baixa do fluxo de carros, caminhões e ônibus, que, desde 1986, passou para a BR-282, distante a 7,5 quilômetros do posto. Agora, o parco movimento se limita aos moradores e aos turistas que visitam a região.
— Quando me criei, esse posto já estava aqui, estamos acostumados com esse visual, mas a gente sabe que é uma coisa diferente, que chama a atenção de quem não conhece. Tem muita gente que vem tirar fotos — comenta o funcionário público municipal Dirceu Weiss, de 62 anos, mais conhecido como Teca.

Mas as fotos não rendem “royalties” à família Schütz, apesar das constantes brincadeiras sobre essa possibilidade. Nem o valor de R$ 4,19 no litro da gasolina e de R$ 3,45 no litro do diesel são suficientes para o funcionamento do estabelecimento.
— Esse posto de gasolina só está aí por insistência do meu pai. Economicamente ele não é mais viável, mal e mal paga a despesa dele mesmo. É triste, infelizmente. O capitalismo é selvagem — avalia Luciano.
A família Schütz nunca abriu um processo de tombamento do imóvel como patrimônio histórico. Além de evitar burocracia, o local sofreu algumas modificações para se adequar às normas da Agência Nacional do Petróleo (ANP), como a troca das bombas de gasolina e dos tanques de armazenamento. Já houve uma tentativa para instalar uma cobertura no posto, mas todas elas descaracterizariam o espaço e, por isso, foram descartas.
— Adoramos aqui. A mãe quer reformar, dar uma nova pintura, mas eu sempre digo: “tem que manter a raiz” — afirma Teófilo Neto, de 33 anos, irmão de Luciano.

Hotel histórico
Ao lado do posto fica um hotel ainda mais antigo. É a morada de Luciano Schütz desde que se separou da esposa e saiu de São Paulo para voltar à cidade natal. Dentro da casa, móveis entalhados à mão dão ar de antiquário, apesar do contraste com a modernidade do computador e da televisão.
— Essa construção é mais antiga, originalmente é da virada do século (passado). Nos anos 1950, meu avô comprou e ampliou um pouco. Os móveis e o relógio foram feitos por um entalhador que fazia os móveis da família Matarazzo — conta Luciano.

Rancho Queimado tem se consolidado, recentemente, como destino de turismo rural. Fábricas de chocolate, plantações de morango, rios e pequenas corredeiras, cavalos e gado no pasto fazem parte do cenário. No caminho entre o centro e o distrito de Taquaras, hortênsias azuis chamam atenção de quem passa pela pequena estrada de terra, especialmente na primavera. Pouco antes de chegar ao posto, está a casa de campo do ex-governador Hercílio Luz, hoje transformada em museu.
— A região está virando polo turístico, mas se comparar com outras regiões, como o interior de São Paulo ou o sul de Minas Gerais, não temos a mesma estrutura — avalia Luciano.

Família pioneira
O tino para a modernidade da família Schütz não se expressa apenas no posto, que já foi o mais moderno da região. O pioneirismo vem de muito antes, talvez do ímpeto da matriarca da família, Felícia Hatky Schütz, a avó de Luciano, Téofilo, Tiago, irmão gêmeo de Téofilo, e Luciane, de 43 anos.
— Minha avó foi uma pessoa muito pra frente de sua época. Veio da Alemanha quando jovem, tem um livro publicado (chamado “Uma mulher do século passado”). Foi também a primeira mulher de Santa Catarina a ter carteira de motorista profissional — revela Luciano.

O sobrenome da família, Schütz, significa “atirador” — originalmente, essa palavra era usada para definir a função do arqueiro que era o guardião dos moradores de uma cidade. Pois foi esse o caminho que o bisavô de Luciano trilhou na Alemanha.
— Meu bisavô, Felix, foi aviador na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Pilotava um avião que mais parecia o 14 Bis. Depois da guerra veio para o Brasil, mas um dos seus filhos começou a causar problemas e eles voltou para a Alemanha em 1938. O que aconteceu no ano seguinte? Passou por outro suplício na Segunda Guerra Mundial.
Se Felix voltou para a Alemanha, Teófilo, avô de Luciano, ficou no Brasil — mais precisamente em Rancho Queimado. Três gerações depois, a família carrega o sobrenome Schütz e, com ele, a incumbência de ser a guardiã da memória de tempos em que o novo era um posto de combustível com bomba semi-automática e uma rampa para lavação.
