Escolas Estaduais recebem máscara transparente imprópria contra Covid

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O governo de Santa Catarina, por meio da Secretaria de Estado da Educação (SED), distribuiu máscaras impróprias para escolas no combate a covid-19. As unidades receberam o item fora do padrão licitado pela própria secretaria. Uma investigação do Ministério Público de Contas (MPC) também apontou irregularidades no processo de compra do equipamento pela pasta.

Em outubro do ano passado, a SED deu início a um processo de compra de Equipamentos de Proteção Individual, os Epis, para escolas da rede estadual. O documento especificava que as máscaras deveriam ter no mínimo três camadas, clips nasal e filtragem bacteriana acima de 95%.

A reportagem da NSC TV recebeu uma denúncia sobre a qualidade das máscaras. Após visitar cinco colégios em Florianópolis, encontrou em um deles modelos fora do padrão licitado pelo governo do Estado. Outro item em desacordo com a licitação foi denunciado pela mãe de um aluno à reportagem.

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Ele frequenta uma unidade no Norte da Ilha. Segundo Mônica Silveira de Almeida, a mãe do estudante, o garoto recebeu a máscara em um dia em que ficou sem o item. O equipamento tinha apenas duas camadas de tecido e um elástico para suporte nas orelhas.

— Eu não vejo proteção alguma com esse tipo de máscara que eles oferecem. A gente sabe que o Estado pede para usar máscara de qualidade. O Ministério da Saúde também fala bastante sobre isso na televisão, que seja pelo menos uma PFF2 ou uma N95 e essas aqui para mim são dois TNT juntos — disse Mônica Silveira de Almeida, mãe do estudante.

A máscara, segundo Mônica, ficava muito úmida ao ser utilizada e chegava a rasgar na boca.

Uma outra máscara, com apenas uma camada, também foi encontrada pela equipe da NSC TV. O modelo estava em um saco lacrado e etiquetado no estoque de uma escola em Florianópolis. Dentro dele haviam alguns modelos diferentes, com uma, duas e três camadas.

As máscaras com uma e duas camadas foram analisadas pelo microbiologista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Carlos Rodrigo Zarate.

Máscara recebida por aluno da rede estadual
Máscara recebida por aluno da rede estadual

(Foto: Mônica Silveira de Almeida/Arquivo pessoal)

Ele primeiro avaliou o item usado pelo aluno. Para Zarete, a máscara não oferece proteção contra o coronavírus, pois não tem capacidade de filtração.

— O tecido em si é absolutamente transparente. Imagino que esta não deve proteger adequadamente para filtragem de partículas que queremos. Dá para ver que a trama é bem grande, então a filtração vai ser mínima — diz Zarate.

Ele destaca que vários estudos mostram a importância de três camadas nas máscaras e que cada uma delas oferece um tipo de proteção.

— A camada interna tem a função de absorver as partículas de água que a pessoa emite quando fala. A segunda camada tem a função fundamental de filtração e de retenção das partículas que vêm de fora. E a primeira tem a principal função de repelir as partículas que possam entrar na máscara — coloca.

O modelo com apenas uma camada não tem clips nasal e os elásticos, segundo o especialista, são frouxos.

— Uma camada não oferece a proteção que deve oferecer. — conclui.

Como foi a compra das máscaras

A empresa vencedora da licitação para compra de máscaras foi a Rama Comércio e Importação de Produtos Personalizados, que hoje tem o nome de WWT Comercial Importadora e Exportadora Ltda.

A companhia de Palhoça venceu o pregão eletrônico por R$ 4 milhões. A previsão era de entrega de mais de 21 milhões de máscaras.

A entrega deveria ter acontecido em dezembro de 2020. Contudo, alegando que o item estava em falta com seus fornecedores, a Rama pediu prorrogação do prazo de entrega duas vezes.

Foi solicitada também pela empresa da Palhoça, a troca do fabricante das máscaras. A marca apresentada no edital foi substituída pela Art Cor Brasil, com sede em São Paulo.

A ação foi aceita pelo governo e, em abril, uma comissão de servidores assinou cinco termos de recebimento dos itens. Uma vistoria não apontou a presença de nenhuma máscara diferente do que foi licitado.

A empresa chegou a enviar um laudo que mostrava a qualidade das máscaras do novo fabricante para o governo de SC. A veracidade foi atestada por meio de uma troca de e-mails com o laboratório responsável pela perícia.

O laudo mostra que a máscara tem mais de noventa e cinco por cento de filtração de bactérias. Contudo, ele foi feito em uma de três camadas, diferente da que foi encontrada em escolas estaduais.

Uma denúncia sobre a qualidade das máscaras chegou a ser feita na época pela deputada estadual Luciane Carminatti (PT). A legisladora apresentou representação sobre o caso ao Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC). O caso segue em tramitação.

Laudo aponta problemas

O MPC passou a analisar o processo de compra em maio deste ano. O parecer assinado pela procuradora geral Cibelly Farias apontou irregularidades. A principal dela é em relação a qualidade das máscaras

Amostras entregues pela SED foram encaminhadas para o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT-SP). O pacote com 100 unidades tinha etiqueta da Arts Cor Brasil.

No laudo, ao qual o Diário Catarinense teve acesso, foram verificadas que elas não atendiam seis dos 15 itens avaliados. Entre eles, critérios como ter três camadas de proteção e a filtragem de bactérias.

Pacote com máscaras foi levada para perícia
Pacote com máscaras foi levada para perícia

(Foto: Reprodução)

O relatório concluiu que além de não cumprir as normas previstas no edital, as máscaras não atendem aos requisitos da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para esse tipo de produto.

A procuradora pediu a suspensão do contrato, seus pagamentos e o recolhimento das máscaras. Os itens deveriam ser substituídos “por outras de eficácia com conformidade com a norma técnica nacional”. O pedido foi encaminhado ao TCE.

TCE quer explicações da governo

O Tribunal de Contas acolheu a representação do MPC e no dia 10 de setembro o conselheiro Cesar Filomeno Fontes, relator do caso, ordenou uma série de medidas. Ele não acatou o pedido do MPC para suspensão do contrato, mas deu 60 dias para que a SED verifique a adequação das máscaras entregues pela Rama.

Caso não se confirme a qualidade, o TCE determinou que o Estado substitua os produtos e providencie a responsabilização da empresa contratada. Devem ser implementadas também medidas para evitar situações parecidas em editais futuros.

O prazo ainda não está valendo, pois o Estado só será notificado após o texto do relator passar pelo plenário do TCE. A próxima sessão acontece na segunda-feira (20). A pauta ainda não foi divulgada.

SED diz que compra foi legal

Em nota, a SED afirmou que o processo de compra “passou por todos os procedimentos licitatórios legais para esta modalidade de aquisição”. A pasta disse ainda que o laudo técnico entregue pela empresa vencedora atestou que as máscaras atendiam às especificações exigidas.

Já em relação a qualidade das máscaras, a SED diz que segue fiscalizando por amostragem e em casos de necessidade é direito da secretaria solicitar a substituição dos equipamentos.

“A SED esclarece ainda que fez e segue fazendo todas as fiscalizações dentro da sua competência e vai averiguar todas as alegações levantadas nos questionamentos feitos pelo Ministério Público de Contas. A secretaria está aberta para prestar todos os esclarecimentos sobre o assunto”.

A empresa Rama também respondeu aos questionamentos da reportagem. Em nota, disse que “se coloca a inteira disposição para substituir qualquer máscara, com defeito ou que estejam em desacordo com a especificação do edital, que por acaso tenha sido entregue”.

A reportagem também procurou a Art Cor Brasil. A empresa não enviou sua resposta oficial. Por telefone, uma funcionária da área financeira disse “às vezes, correria de funcionário, acaba deixando passar uma ou outra sem qualidade”. E disse que a empresa pode trocar as máscaras que forem de modelos inferiores, desde que o cliente faça o pedido.

Nós também pedimos um posicionamento da fabricante ARS, que tem como nome comercial Art Cor Brasil. Foram enviadas fotos das máscaras encontradas. A empresa disse que não reconhecer o produto.

“Desconhecemos os produtos das fotos que nos enviou, pois não produzimos máscaras com aqueles materiais, inclusive elástico fita, pois utilizamos somente o roliço”.

Via DC

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