EXCLUSIVO – Indícios de crime na Fundação do Meio Ambiente de Porto Belo

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O Portal Visse teve acesso a documentos que demonstram fortes indícios de “advocacia administrativa”, Art. 321 do código penal que pune agentes públicos que usam da função para atender a interesses privados, na Fundação do Meio Ambiente de Porto Belo – FAMAP.

O caso aconteceu entre 2017 e 2018, onde um procurador comissionado da Fundação do Meio Ambiente, atuou como corretor na negociação de um terreno que estava sob intervenção do Ministério Público Federal, por estar em área de mangue.

Crime Ambiental

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Em 2008, o Ministério Público Federal abriu um inquérito para apurar a denúncia de um possível crime ambiental no terreno próximo a “Lagoa do Perequê”, no município de Porto Belo. De acordo com a denúncia, caminhões estariam aterrando uma área de mangue que fazem parte do terreno. O inquérito resultou em uma ação civil pública em 2008, que resultou em um Termo de Ajuste de Conduta – TAC, entre o MPF, FAMAP, Prefeitura de Porto Belo e Marden Laus, proprietário do terreno na época.

Uma nova denúncia em 2010, onde caminhões estariam novamente jogando entulho no terreno e aterrando a área de mangue, chamou atenção para o não cumprimento do TAC firmado ainda em 2008. O TAC previa que o dono do terreno entregasse por meio de doação, ao município de Porto Belo, parte do terreno que estava em área de preservação. A área de 9.000m2, seria destinada a implantação do Parque Municipal da Lagoa do Perequê.

Durante o procedimento, foi constatado o não cumprimento do TAC e, em 2011, o MPF instaurou uma nova ação civil pública para apurar novamente o crime ambiental e seus responsáveis. O processo se arrastou por 7 anos.

“Desenrolo” 

A ação chegou ao fim em fevereiro de 2018, com um aditivo no TAC inicial, onde a área doada e destinada ao Parque Municipal da Lagoa do Perequê foi alterada de 9.000m2 para mais de 52.000m2. No aditivo, o MPF ainda estabelece algumas exigências a Fundação do Meio Ambiente, prazos para a transferência do terreno para o Município de Porto Belo e multas em caso de descumprimento.

“Enrolo”

No final de 2017, um novo interessado foi incluso na ação civil pública apresentando um projeto para um empreendimento no local. No final de novembro de 2017, o terreno foi vendido para a Abelardo Benigno & Costa Empreendimentos Ltda, mais conhecida como ABC Empreendimentos, que está em fase de implantação de um empreendimento residencial no local. A negociação feita no valor de 20 milhões de reais, foi dada em forma de permuta aos proprietários do terreno em 29 de Novembro de 2017. O acordo com o MPF finalizou em 16 de fevereiro de 2018.

O procurador jurídico da FAMAP na época, que participou da negociação com o MPF, foi José Olmiro Lemos de Azevedo. Olmiro foi procurador jurídico da FAMAP, como cargo comissionado, de janeiro de 2017 a janeiro de 2019. Depois assumiu como procurador ambiental e foi exonerado em agosto de 2019.

Acontece que o servidor, que participou como procurador ambiental da FAMAP no caso, alem de ser procurador jurídico e não ambiental na época, também foi o corretor de imóveis que intermediou a negociação do terreno com a ABC Empreendimentos.

Olmiro recebeu em dinheiro e em permuta, o valor equivalente a 9% do total do contrato,  quando a média de comissão para um corretor é entre 3 e 6%. No total, a comissão foi de aproximadamente R$ 1.850.000,00, em dinheiro e imóveis.

Outro fato curioso do contrato de permuta firmado entre os proprietários e a ABC Empreendimento, é a condicionante de que o contrato só teria validade após a finalização do acordo com o MPF. Uma das clausulas é específica e mostra a importância da anuência do anteprojeto apresentado ao MPF na elaboração do aditivo do TAC.

Por ser procurador da FAMAP desde 2017, José Olmiro sabia das tratativas com o Ministério Público Federal e mesmo assim foi corretor da negociação.

O contrato ainda prevê prazos para algumas ações que os proprietários, que coincidem com a data que o TAC foi firmado com o Ministério Público Federal, pouco mais de 60 dias após a assinatura do contrato de permuta do terreno. Em várias ocasiões, o contrato fala da necessidade da anuência do MPF para a celebração definitiva do contrato.

Advocacia administrativa

O que diz o Código Penal Brasileiro sobre o assunto.
Art. 321 – Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:
Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.

Parágrafo único – Se o interesse é ilegítimo:
Pena – detenção, de três meses a um ano, além da multa.

O caso pode ser enquadrado como advocacia administrativa por dois motivos.

Primeiro que, como procurador do município, José Olmiro tinha acesso a informações privilegiadas do andamento da ação do MPF, o que traria uma vantagem a ele com relação a outros corretores. Ou até mesmo de dar a garantia aos vendedores e ao comprador, que o terreno estaria “quase liberado”. Ou quem sabe um “eu garanto”, principalmente pelos prazos estipulados em contrato e a data que foi firmado o TAC.

Segundo que como corretor da venda do imóvel, Olmiro atuou como procurador da FAMAP no processo, mesmo sabendo do conflito de interesses, envolvendo o terreno que ele mesmo ajudou a vender. Ele acompanhou o caso em que a FAMAP era parte e, eticamente e legalmente falando, não poderia ter participado da celebração do TAC, pois o contrato ainda tinha condicionantes vigentes e dependia dessa anuência do MPF para ser devidamente efetivado.

Cabe agora ao próprio MPF ou MPSC analisar novamente o caso e quem sabe até determinar a nulidade do TAC, uma vez que haviam partes interessadas financeiramente na celebração do mesmo.

Vale lembrar que no terreno em questão, já está sendo movimentado como um pré-lançamento de um empreendimento imobiliário local.

 

Nota da Redação: As imagens dos trechos do contrato e do TAC que compõe a matéria, são extraídos de documentos públicos. 

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