“Fiz o que pude”, diz motorista de micro-ônibus que caiu em ribanceira em Corupá

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A viagem de volta para casa tinha começado há aproximadamente uma hora quando a luz no painel do micro-ônibus começou a piscar, indicando a falha. No relógio se passaram segundos, mas na cabeça de Joel dos Santos os pensamentos se amontoavam.

O motorista, que dirige há três décadas e hoje tem 50 anos, não teve muito tempo para decidir o que fazer. Apesar do cenário assustador, a decisão pode ter sido a melhor possível: ele salvou 24 vidas.

“A luz acusou, eu comecei a pisar e vi que o freio realmente não estava funcionando, fui no fundo e nada, aí me desesperei. Tentei reduzir na marcha e não teve jeito”, lembra Joel. “Aí foi pegando velocidade, eu desviei da fila de carro que tinha e o jeito foi descer no mato, para não pegar o comércio que tinha do lado direito. Foi o que eu pude fazer”.

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A vida dos passageiros foi o que passou pela cabeça do motorista no momento decisivo. “Na hora do desespero a gente pensa ‘estou com um monte de pessoas aqui, tenho que fazer o melhor para todo mundo sair bem’. A opção que tive foi pegar as árvores – pensei que [elas] iriam amortecer a queda do ônibus”, conta Joel. “Graças a Deus todo mundo está vivo”, disse o motorista, após ser atendido no Hospital e Maternidade Sagrada Família, em São Bento do Sul, para onde foram levadas outras 11 pessoas.

O ônibus da empresa Digitur saiu do seminário de Rio Negrinho, onde familiares e amigos participaram de uma festa que tinha como objetivo arrecadar fundos para um adolescente que estuda no local. No entanto, a volta para casa, em Itajaí, foi interrompida pelo grave acidente.

A ocorrência mobilizou 30 ambulâncias de diferentes cidades. Corupá, Guaramirim, Araquari, São Bento do Sul, Campo Alegre, Rio Negrinho, Jaraguá do Sul e Joinville participaram do resgate, com equipes de Bombeiros Voluntários, Bombeiros Militares, Samu, Serviço de Emergência Médica Privada, além da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar e Defesa Civil.

O micro-ônibus, que estava com a documentação de seguro de responsabilidade civil e autorização para viagem emitidos e válidos, perdeu o freio na serra e desceu por aproximadamente 200 metros, “dançando” na pista.

As imagens das câmeras de segurança de um comércio, situado ao lado do local do acidente, mostram o momento que o veículo passa balançando, antes de cair na ribanceira de cerca de 30 metros, quando foi “segurado”. As árvores, como pensou Joel, evitaram que o ônibus caísse ainda mais.

O motorista, que quebrou a clavícula, confessa que pensou no pior. “Pensei na morte, que era difícil escapar um, mas graças a Deus todo mundo está vivo. A hora que as árvores começam a bater [no veículo] você pensa muita coisa. Eu fiz o que pude”, fala.

“Nasci de novo, todo mundo nasceu de novo”

Brigadista, o treinamento básico ajudou o operador de máquina Nilton Bento Salazario a sair ileso do acidente. E, para ele, Joel salvou a vida de todos que estavam no veículo. “Ele foi um herói para todos nós”, salienta.

Nilton lembra que viu Joel tentando acionar o freio sem sucesso e sabia o que estava por vir. Neste momento, o treinamento pode ter salvado a vida dele e da companheira, Janete dos Santos Salazario, que foi atendida no Hospital São José, de Jaraguá do Sul.

“Nos desesperamos, mas eu tenho cursinho e disse para minha mulher que estava do lado: abaixa a cabeça e fica firme. Quando eu vi, estava parado lá dentro [da ribanceira]. Ela ficou com o olho bem inchado e com um corte na cabeça. Foi Deus que nos protegeu, porque se esse ônibus tomba acho que tinha morrido muita gente. Foi Deus e o motorista”, destaca.

Caminhando apoiada na perna esquerda e mancando, a dona de casa Márcia dos Santos agradece porque teve apenas cortes superficiais no braço, na perna e no pé. Ela foi atendida no PA (Pronto Atendimento de Corupá) e lembra dos instantes que antecederam o acidente.

“Na verdade, quando percebi, me abaixei e a parte da frente veio toda pra mim. Eu fiquei embaixo e não vi mais nada, só que duas árvores ‘aguentaram’ o ônibus. É disso que eu lembro e, graças a Deus, estou bem”, diz Márcia.

Ao lado da cunhada, Célia Ignácio dos Santos, de 60 anos, também foi atendida no PA e teve cortes nos braços e muitos cacos de vidro pelo corpo – sem gravidade. Célia, que é proprietária da empresa e fazia a viagem familiar com parentes e alguns amigos, percebeu que havia algo errado com o veículo instantes antes de ele sair da pista e cair na ribanceira.

“Lembro que ele vinha dançando, pensei que talvez tivesse sido o pneu da frente que tinha estourado, aí depois vi que ele [motorista] estava mexendo com a mão no freio, passou e virou o ônibus. Aí eu vi que iria tombar e foi para dentro do mato”, conta.

A empresária lembra ainda do momento em que o veículo parou depois de cair e arrastar algumas árvores. Ela diz que havia muitas pessoas empilhadas na porta e teve que pular para ajudá-las. “Nasci de novo, todo mundo nasceu de novo. Foi coisa feia”, agradece.

Célia Ignácio dos Santos e Márcia dos Santos foram atendidas no PA de Corupá – Foto: Adrieli Evarini/ND

Célia ressalta também a solidariedade das pessoas que moram próximo ao local do acidente, das que passavam pela rodovia e do trabalho de bombeiros, enfermeiros e médicos. “Nos atenderam muito bem aqui, e lá em cima, uma senhora viu na hora que o ônibus agarrou o mato, ligou rápido para os bombeiros e ainda foi lá nos ajudar”, diz.

Notícia do acidente fez bombeiros lembrarem de outra tragédia

O domingo (15) estava muito tranquilo para os Bombeiros Voluntários de Corupá. Até o final da tarde, nenhuma ocorrência havia acontecido na cidade, até que o telefone da central tocou, por volta das 18h, e fez todos se olharem e lembrarem de uma tragédia que completou cinco anos no dia anterior.

“Ontem fez cinco anos do acidente na Dona Francisca, nós estávamos no quartel e relembramos. Hoje foi um dia tranquilo, não tinha uma ocorrência. Aí quando tocou o telefone, um olhou para o outro e disse: é na serra. Fomos até o rapaz da central e ele disse: é ônibus. Vem um filme na cabeça”, lembra o subcomandante Christian Herrmann.

Dois guinchos foram utilizados para a retirada do veículo da ribanceira – Foto: Adrieli Evarini/ND

Ele conta que, da corporação da cidade, 18 voluntários atuaram no socorro às vítimas e encaminhamento às unidades hospitalares da região. Além disso, Herrmann ressalta o trabalho em parceria com diversas outras unidades da região.

O subcomandante lembra ainda que o trecho, na conhecida curva do britador, km 93 da BR-280, é palco constante de acidentes. Em novembro de 2015, um grave acidente na mesma curva deixou cinco mortos e diversos feridos. Um ônibus com 40 pessoas bateu de frente em um carro e uma família inteira morreu no local do acidente – entre elas, uma bebê de um mês de vida – e caiu na mesma ribanceira.

Para o policial rodoviário federal Paulo Stoerbel, a hipótese de falta de freio é bastante plausível. Segundo ele, a falta de marca de frenagem na pista e no terreno ao lado da rodovia mostram que houve falha no acionamento.

“Pelo fato de ter vindo por essa faixa de domínio em cascalho, mais a vegetação sem marca de frenagem, apenas o trilho sem o travamento da roda e pelo fato de estar em final de serra, acho que realmente fecha com o que ele falou, mas vamos checar o sistema de freios”, afirma o policial. “Por sorte, as árvores seguraram e isso amorteceu a queda. Não tem como passar em um terreno mole como esse sem deixar marca de freio”, explica.

Na lanchonete que fica ao lado do local do acidente, as testemunhas contam que o micro-ônibus vinha “dançando” na pista. O lavrador Geraldo Kizema viu o veículo descendo desgovernado. “Já desceu balançando, virou de um lado e de outro, tentou barranquear ali do lado, aí veio para a pista de cá e só escutamos o estouro. Corremos para ver e ligar para os bombeiros, porque a gente sabe que a coisa é grave quando envolve ônibus”, diz.

O comerciante Reinaldo Glatz viu o ônibus descendo em velocidade e “pousando” no terreno ao lado da pista antes de cair pela ribanceira. “Eu estava atendendo aqui e quando olhei para a pista, vi o ônibus cortando. Parece que pousou nesse areião e desceu no barranco, daí eu saí na corrida para ver se eles precisavam de ajuda e chamei os bombeiros. Ele fez a curva lá e já veio balançando para tentar tombar”, relembra.

De acordo com a proprietária da empresa, o veículo passa por manutenções regulares e estava apto a trafegar. Célia diz ainda que o mesmo micro-ônibus trabalha diariamente em uma linha de transporte empresarial.

O micro-ônibus foi retirado do local do acidente apenas às 23h, cerca de cinco horas após o acidente. De acordo com a PRF, o tacógrafo foi recolhido e deve passar por análise na manhã desta segunda-feira (16). Essa análise deve indicar a velocidade que o veículo alcançou no momento do impacto.

Das 24 pessoas que estavam no micro-ônibus, duas assinaram recusa de atendimento, 12 foram encaminhadas para o hospital de São Bento do Sul e 10 para o PA de Corupá. Destas, seis foram encaminhadas ao Hospital São José, de Jaraguá do Sul. Apenas uma das vítimas sofreu traumatismo, mas o estado de saúde é considerado estável.

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