Mapeamento a laser mostra “cidades perdidas” em meio a Amazônia

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Assentamentos de até 1.500 anos atrás na Amazônia indicam sociedades complexas e desmentem mito de que habitantes eram meros caçadores e coletores numa selva intocada antes da chegada dos conquistadores europeus.

Às vezes, a história tem que ser reescrita: até alguns anos atrás, as pesquisas supunham que os habitantes da Bacia Amazônica na época pré-hispânica percorriam a densa vegetação em pequenos grupos como caçadores e coletores, sem exercer muita influência sobre seu meio ambiente.

Mas isso foi um equívoco. Usando uma nova tecnologia de mapeamento a laser, chamada Lidar, pesquisadores da Alemanha e do Reino Unido mostram que grandes assentamentos surgiram da vasta planície no sudoeste da Bacia Amazônica, mesmo antes da chegada dos conquistadores espanhóis.

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No centro de um dos assentamentos, havia até uma pirâmide de terra de 22 metros de altura em um terraço de 22 hectares, construído artificialmente, com quase 4 metros de altura. Os assentamentos nas terras baixas bolivianas de Llanos de Mojos eram cercados por fortificações defensivas maciças e conectados uns aos outros por quilômetros de vias de acesso à prova de enchentes.

Área foi considerada desabitada

Os “assentamentos incrivelmente complexos” foram descobertos por uma equipe de arqueólogos liderada por Heiko Prümers, do Instituto Alemão de Arqueologia. Os resultados foram publicados recentemente na revista científica Nature.

Arqueólogo Prümers:
© Carla Jaimes BetancourtArqueólogo Prümers:
Segundo Prümers, o fator decisivo é onde exatamente esses grandes assentamentos foram encontrados, pois eles refutam a doutrina atual: “Estamos aqui em uma área marginal da Amazônia, em uma zona considerada relativamente desabitada pela ciência há pelo menos 50 anos. E quando de repente você encontra grandes assentamentos cobrindo mais de 100 hectares é claro que é sensacional”, disse o arqueólogo em entrevista à DW.

Evidência de extensos assentamentos

A Bacia Amazônica inteira tem aproximadamente o tamanho da Europa. Há provas de que pessoas vivem lá há mais de 10 mil anos. E os resultados das pesquisas atuais provam agora sem sombra de dúvida que os habitantes da Amazônia não viviam simplesmente na e da natureza intocada, mas que eles já mudaram fundamentalmente seu ambiente através de estruturas de assentamento.

Embora houvesse descrições dos primeiros viajantes europeus que relataram sobre cidades na selva profunda, faltavam provas decisivas.

Só há alguns anos foram descobertos grandes montes na floresta tropical, durante desmatamentos e expedições, sugerindo que ali moraram pessoas por muito tempo.

Heiko Prümers vem pesquisando desde 1999 alguns dos cerca de 150 assentamentos conhecidos até agora, que se localizam em áreas que soferam menos efeitos das inundações recorrentes durante a estação chuvosa. “As pessoas procuravam regiões onde não havia problemas regulares com grandes enchentes e se estabeleceram ali por um longo tempo”, explica Prümers.

Assentamento muito antes da chegada dos descobridores

Entre 500 e 1400 d.C., muito antes dos conquistadores espanhóis chegarem, membros da cultura Casarabe já estavam construindo assentamentos, incluindo alguns extraordinariamente grandes, como o de Cotoca.

Vegetação densa dificulta o trabalho dos pesquisadores

Por causa da vegetação densa, a extensão total dos grandes assentamentos, no entanto, só podia ser deduzida. O avanço veio com a tecnologia do Lidar, na qual um laser ligado a um helicóptero ou avião escaneia a área coberta de vegetação.

Como este sistema envia tantos pontos de laser para a superfície da terra mesmo através da vegetação mais densa, os pesquisadores podem posteriormente eliminar toda a vegetação no computador e assim obter uma representação surpreendentemente detalhada da topografia na área.

Laser tornou as estruturas visíveis

Quando Prümers e sua equipe sobrevoaram seis assentamentos conhecidos dos Casarabe em 2019, a nova tecnologia tornou visível um total de 26 assentamentos, 11 dos quais ainda nem haviam sido descobertos.

“Quando se caminha por ali, naturalmente se você nota as diferenças de altura, é preciso inclusive escalar estas pirâmides porque suas encostas são íngremes. E mesmo quando se está no topo da pirâmide, que tem mais de 20 metros de altura, não se pode realmente ver muito longe dali por causa da vegetação densa”, descreve Prümers.

“Você nunca conseguirá realmente ter uma impressão do sítio arqueológico em sua totalidade ou mesmo em partes”. A este respeito, estas imagens são, naturalmente, a ferramenta ideal para nós! Também para poder mostrar a outras pessoas o que estava lá, o que suspeitávamos e o que sabemos agora”, explica Prümers. “Agora temos estas imagens incrivelmente informativas e de repente tudo é óbvio”.

Estruturas apontam para sociedade complexa

Graças à tecnologia Lidar, as grandes estruturas de assentamento, tornaram-se visíveis cada uma com mais de 100 hectares de área. O Lidar também torna visíveis o sistema de barragem e um elaborado complexo de irrigação de canais e reservatórios.

No centro de um assentamento havia uma pirâmide de terra de 22 metros de altura
© H. Prümers/DAINo centro de um assentamento havia uma pirâmide de terra de 22 metros de altura

Presumivelmente, as vias de acesso amplamente ramificadas conectaram os assentamentos mesmo durante as enchentes na estação chuvosa, e o sofisticado sistema de irrigação presumivelmente permitiu uma agricultura sustentável mesmo nas estações secas.

Mas se esta infraestrutura hídrica serviu para o abastecimento de água potável ou irrigação durante as semanas extremamente secas de agosto, ou se peixes ou tartarugas foram criados lá, isso precisa ser investigada mais detalhadamente. Também não está clara a função da monumental pirâmide.

Construção com terra e madeira

Os arqueólogos não encontraram construções de pedra, porque na “terra aluvial só há argila e areia, mas não há uma única pedra nas proximidades”, explica Prümers. As plataformas dos prédios mais importantes eram todas de terra, sobre elas havia estruturas de madeira, das quais somente os buracos dos postes sobreviveram.

“Durante nossas escavações, encontramos algumas pedras, mas todas eram de fora dali. Eram ornamentos, às vezes um machado, mas nada que de alguma forma fosse da região. A arquitetura não é como a nossa, não há construções de tijolos, nenhuma em pedra, mas construções impressionantes feitas de terra e de vez em quando traços da efêmera arquitetura de madeira”.

Nesse sentido, o nível de conhecimento sobre a cultura Casarabe ainda é muito rudimentar, admite o arqueólogo. Com base nas mais de 100 sepulturas encontradas, entretanto, já se pode dizer algo sobre seus hábitos alimentares. Eles comiam milho, por exemplo, e o que caçavam.

O que levou ao declínio da cultura Casarabe?

O motivo do abandono dos assentamentos após cerca de 900 anos de uso e do desaparecimento da cultura Casarabe por volta de 1400 d.C., ou seja, antes da chegada dos conquistadores espanhóis, ainda não está claro. Prümers acredita que “as mudanças climáticas possam ter sido o fator decisivo. O problema é que isso vai ser difícil provar”.

O que quer que tenha causado o declínio da cultura, o tamanho e a complexidade dos assentamentos agora documentados revelam centros urbanos com estruturas de organização social muito complexas já nos tempos pré-hispânicos. A história da Bacia Amazônica deve, portanto, ser reescrita.

Autor: Alexander Freund
Via MSN

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