Medo e riscos em comunidades conflagradas de Santa Catarina

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A imposição de criminosos associada a questões sociais, de infraestrutura, lazer e econômicas atingem mais de uma dezena de comunidades na Grande Florianópolis e em outros pontos do Estado. Nestes lugares, moradores são reféns da insegurança e a população tem a liberdade ameaçada. Uma realidade como a da Papaquara, na Capital, em que a turista gaúcha Daniela Scotto, 38 anos, foi morta na madrugada do dia 1º de janeiro.

O carro da família passou no local onde havia traficantes armados e ela acabou sendo atingida por um disparo e morreu. O autor do crime, segundo a polícia, é um adolescente de 17 anos com passagens policiais. Ele teve internação decretada pela Justiça após o assassinato, mas até o domingo ainda não havia sido apreendido.

As comunidades convivem com fatores que impulsionam a ação de criminosos, tais como iluminação e infraestrutura precária, habitação em locais impróprios, falta de saneamento básico, escolas e áreas de lazer praticamente abandonadas.

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Armados e violentos, os bandos ligados ao tráfico de drogas intimidam, ameaçam, controlam territórios e exercem um domínio paralelo. Eles também recrutam adolescentes para serem olheiros do crime, praticarem ou assumirem delitos no lugar de bandidos adultos.

Nos últimos anos, facções criminosas decidiram mirar com força os bairros mais vulneráveis economicamente de Santa Catarina. Até mesmo de dia, houve execuções e enfrentamentos entre bandidos rivais e a própria polícia.

Morro do Mocotó, área Central de Florianópolis Foto: Divulgação / PM

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) preferiu não nominar quais são as comunidades em que há risco para a circulação das pessoas, mas reconheceu a existência de lugares com conflitos entre criminosos e as potenciais chances indiretas de perigo ao cidadão. Policiais civis e militares experientes ouvidos pela reportagem afirmam que não há lugar em que a polícia não entre ou deixe de agir por causa da presença dos criminosos. Mas admitem que, principalmente à noite, transitar por alguma regiões pode ser extremamente perigoso. Nestas áreas estão por exemplo o bairro Monte Cristo, no Continente, os morros do Maciço na região Central e da Agronômica, na Capital, Vila União e Siri, no norte da Ilha, entre outras (veja quadro abaixo).

Coincidentemente, dos pontos levados em conta, a maioria tem as mesmas características da Papaquara: são extremamente carentes de políticas públicas. Para agravar, estão no meio a violentos duelos de ocupação entre as facções do Primeiro Grupo Catarinense (PGC) e agora as células do Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo.

Na sexta-feira, o comandante do 4º Batalhão da PM em Florianópolis, tenente-coronel Marcelo Pontes, publicou na internet fotos tiradas por guarnições no Mocotó em que havia pregos em pedaços de pau na via para furar pneus das viaturas.

Cuidados em locais desconhecidos, alerta promotor

O promotor Wilson Paulo Mendonça Neto, com experiência nas varas do júri e crime organizado, assinala que a morte da turista gaúcha acende o alerta para que as pessoas tenham cuidado ao transitar por locais que não conhecem, notadamente à noite.

— Entendo que o cuidado deve ser redobrado, pois é sabido que existem inúmeras comunidades dominadas por facções e pelo tráfico.

O promotor não acredita que existam locais em que a polícia não consiga ocupar. Com atuação na promotoria militar, ele abriu um procedimento para apurar a suposta demora da PM em entrar na Papaquara após a morte da turista gaúcha. Na ação, irá verificar as condições de trabalho da PM no norte da Ilha, número de policiais, viaturas e equipes táticas. A PM afirma que entrou no local após a chegada do reforço para ter capacidade de reação e pela segurança dos próprios policiais.

— A polícia atua nas áreas afetadas, mas enquanto não se alterar a legislação processual penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, dificilmente se terá um resultado mais animador — pensa o promotor, lamentando o envolvimento de adolescentes.

Identificado pela Polícia Civil, o adolescente de 17 anos apontado como autor do tiro contra a turista gaúcha morta tem antecedentes por tráfico de drogas, receptação, desacato, porte de arma, direção de veículo sem habilitação, entre outros.

“O homicídio da turista gaúcha gerou uma grande comoção social, diante da violência extrema, maculando a ordem e paz social de Florianópolis, uma cidade turística, como também pela gravidade do ato infracional praticado pelo adolescente, gerando uma ameaça a manutenção da ordem pública”, escreveu a juíza Alexandra Lorenzi da Silva no documento em que determina a internação provisória do adolescente, que segue foragido.

“Excepcionalmente pode haver risco”, diz diretor da Polícia Civil

Designado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) para falar sobre o assunto, o diretor da Polícia Civil na Grande Florianópolis, delegado Verdi Furlanetto, preferiu não pontuar as comunidades por orientação de setores da inteligência. Admitiu que “excepcionalmente em localidades onde há conflito entre grupos criminosos pode haver risco de conflito atingindo de forma indireta algum cidadão”.

— De maneira geral, qualquer local deve demandar cuidados, principalmente quando não se conhece o ambiente. Mas, diariamente tanto moradores quanto frequentadores dos bairros entram e saem das comunidades sem ocorrer incidentes — destacou.

O diretor observou o andamento da operação Veraneio com reforço policial para intensificar a segurança e que os serviços de inteligência da Polícia Civil, PM e da Diretoria de Inteligência da SSP estão trabalhando em conjunto.

Locais com conflitos e denúncias de violência*:

Monte Cristo

Ao lado da Via Expressa, nas margens da BR-282, em direção a BR-101, limite entre Florianópolis e São José. Há disputa entre traficantes do PGC com PCC, relatos de tiroteios à noite entre rivais e com a polícia. Em 2016 foi palco de ao menos 13 assassinatos. Houve investigações, a polícia faz incursões e operações constantes, mas persistem as queixas da ação de criminosos.

Papaquara

A comunidade no norte da Ilha sofre com a falta de políticas públicas e nos últimos anos é dominada por traficantes. A polícia afirma que há confrontos entre as facções PGC e PCC. No local morreu a turista gaúcha Daniela Scotto.

 Jardim Paraíso (Joinville)

Mortes de jovens, adolescentes, constantes troca de tiros, assaltos e uma intensa guerra entre PGC e PCC. Assim está nos últimos anos o bairro Jardim Paraíso, na zona Norte de Joinville e distante da região Central. O local teve 11 assassinatos em 2016. A violência é antiga no local. Especialistas afirmam que há ausência de investimentos sociais e de infraestrutura.

Morro da Caixa e Ilha-Continente

Ao lado da Avenida Ivo Silveira, no Continente, em Florianópolis. Foi palco de feira livre de drogas nas madrugadas, o que diminuiu ao longo dos anos com ações policiais. Mesmo assim, ainda são áreas dominadas por traficantes e há relatos de disparos de tiros. O novo complexo da Secretaria de Segurança Pública (SSP) foi construído nas proximidades, iniciativa que prometeu melhorar o entorno com câmeras.

Morros do Maciço

Ficam na área Central perto da Avenida Mauro Ramos e na região da Agronômica, em Florianópolis. Horácio, 25, Mocotó, Queimada e Caieira são tidos como alguns dos mais problemáticos sob comando de traficantes. No Horácio, em setembro, o PM Vinicius Alexandre Gonçalves morreu em uma troca de tiros. A PM ocupou o morro e houve morte de um homem. Em novembro houve mais uma morte de um homem em confronto com a PM. Na região do Mocotó, em junho, um tiro de fuzil atingiu uma sala do Tribunal de Justiça. Foi durante confronto entre criminosos e a PM.

Vila União

Ao lado da SC-403, entre Ingleses e o caminho que liga a SC-401, na região ao lado do kartódromo, no norte da Ilha, em Florianópolis. Há apenas uma entrada e uma saída. Denúncias apontam que houve territorialização pelo tráfico e presença de faccionados nos últimos anos. Em 2012, um policial civil foi baleado em plena tarde ao entregar uma intimação.

Siri

Isolada, no final dos Ingleses (perto das dunas), norte da Ilha, em Florianópolis, teria pontos de tráfico de drogas. Há histórico de apreensões e prisões no local.

Cachoeira/Pedra de Listra

Duas comunidades na região do Monte Verde (perto da SC-401), em Florianópolis, com denúncias de tráfico armado no alto das localidades. Houve recentes casos de violência contra moradores, sendo um deles torturado e jogado na SC-401.

Costeira

Ponto antigo de tráfico na Ilha, em Florianópolis, foi abrigo de Sérgio de Souza, o Neném da Costeira, que já foi apontado o como maior traficante do Estado. Hoje está em presídio federal. Há constantes mortes de pessoas envolvidas com o tráfico. Duas delas aconteceram em um mesmo posto de combustíveis, de madrugada.

José Nitro/Morro da Boa Vista (São José)

No final da Avenida das Torres, em São José, área em que o PCC busca dominar território do PGC. Em outubro, o pedreiro Roberto Carlos Padilha, 46 anos, foi assassinado na comunidade com pelo menos 18 tiros após se recusar a deixar a casa que morava. A família da vítima precisou se mudar do local sob escolta policial.

Monte Alegre (Camboriú)

Décima quinta maior cidade de Santa Catarina, chegou a ser, proporcionalmente, a cidade mais violenta do Estado em 2012 com mais de 40 homicídios e muito se deve ao empobrecido bairro Monte Alegre, que registrou a maioria dos assassinatos. Disputa por pontos do tráfico de drogas, acerto de contas por dívidas e envolvimento com o crime organizado foram e continuam sendo as principais causas da violência no local. Cartas que seriam do PGC foram encontradas no bairro à época e a presença da facção é dada como certa na comunidade. Tanto que a cidade foi um dos alvos dos atentados orquestrados pelo grupo criminoso entre 2012 e 2014, a delegacia do Monte Alegre, várias vezes, inclusive. Após o auge da violência em 2012, forças-tarefas e operações ostensivas da polícia e intensificação de projetos sociais controlaram significativamente a situação. Em 2016, Camboriú teve 26 assassinatos.

São Paulo (Navegantes)

Em Navegantes, a mais recente disparada no número de homicídios ocorreu em 2013, com registro de 23 assassinatos (contra apenas 11 de 2012). O impulsionador foi o bairro São Paulo, onde disputa entre gangues rivais pelo tráfico de drogas intensificou a onda de violência. Só nos quatro primeiro meses daquele ano, 11 pessoas foram mortas na comunidade por conta da guerra interna. Execuções em plena luz do dia e em locais públicos deixaram de ser raridade e as vítimas não se resumiam aos criminosos em si — em agosto de 2013, um menino de oito anos foi morto a tiros dentro de casa, em crime que chocou a cidade. A polícia reforçou o efetivo no bairro e operações especiais investigaram os crimes, com a situação ficando mais controlada nos últimos anos. O PGC está presente no bairro e voltou aos noticiários no fim de 2016, quando quatro integrantes da facção foram mortos em confronto com a PM. O bairro e a cidade também foram alvos dos ataques nas ruas entre 2012 e 2014.

Cinco bairros em Criciúma

Nos últimos dois anos, a cidade passou a se assustar com o crescimento da violência. Os bairros Renascer, Ana Maria, Boa Vista, Paraíso e Pinheirinho são os mais críticos em relação à criminalidade. Em 2015, após a morte da médica Mirella Maccarini Peruchi, 35 anos, em um assalto, a cidade recebeu força-tarefa da segurança pública para conter a ação dos criminosos.

*Fonte: Com base em relatos de policiais civis e militares à reportagem.

Por Diário Catarinense
Colaborou Victor Pereira

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