O julgamento dos assassinos do pobre menino milionário

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Crônica de Naira LütckMeyer Müller

É hoje bebê!!! Chegou o dia tão esperado, meu amor!!

Bernardo Boldrini Ugulinim, em dezembro de 2013, então com 9 anos, sozinho, molhado, sujo, faminto, e exausto entrou pela porta do Centro de Defesa e Direito da Criança na cidade de Três Passos RS, reclamando de fome, falta de atenção e maus tratos. Suas palavras segundo o conselheiro foram exatamente essas; “lá, naquela casa ninguém me dá bola, estou sempre com fome, todo mundo come na rua, meu uniforme da escola está sempre sujo. Eu preciso de uma família que cuide de mim”. E sob olhar permissivo dos inoperantes responsáveis pelo atendimento da casa, o pequeno saiu pela mesma porta, sozinho, sujo, mais faminto, mais exausto e mais desesperançoso. 

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Haviam lhe dito: “Nada podemos fazer, você foi examinado, não tem marcas, hematomas nem cicatrizes, não temos provas, não podemos te recolher.” Por pura falta de interesse faltou exame para cicatrizes interiores e por pura conveniência foi lhe negado credibilidade. Não acreditavam que a empregada era proibida de cozinhar para Bernardo, que estrategicamente cumpria o horário na ausência do pequeno, como não acreditaram que Bernardo não fez a comunhão no Domingo anterior, porque a madrasta negou-se a comprar a roupinha branca que a igreja oferecia, assim como não acreditaram que seu quarto ficava nos fundos da bela e espaçosa casa, ornado com móveis surrados, brinquedos quebrados, sem tv nem computador, uma pequena janela e uma lâmpada fraca incandescente.

Bernardo há 5 anos vinha morrendo em vida, desde o suposto suicídio misterioso de sua mãe, pedia ajuda a todo mundo, professores, vizinhos, tios, primos, comerciantes, colegas e até aos garis que viam todos os dias Bernardo vagando pelas ruas da pequena Três Passos. Todos eram solidários situacionistas do sofrimento de Bernardo, e todos deveriam hoje tb ter uma cadeira de réu cúmplice no fórum de Três Passos. Todos passavam a mão em sua cabeça, lhe alcançavam um sanduíche, um brinquedo velho, uma bolacha, um moletom, uma laranja, um guarda chuva, um iogurte, uma toalha, um boné, um par de meias secas, um picolé. Ações sempre seguidas de abraços. Todos sabiam de seu desespero e a paixão que tinha por chamegos. Mas nenhum foi capaz de acompanha-lo e testemunhar os maus tratos escancarados. Bastaria um único adulto no circuíto, para Bernardo estar hoje perto de comemorar os 15 anos, ainda que fosse, no tão sonhado paraíso, abrigo de menores abandonados. 

Em fevereiro de 2014, então com 10 anos, Bernardo Ugulini, filho de pai algoz, milionário e influente, passou pela segunda vez pelas portas do conselho tutelar da cidade, Nessa ocasião porém, munido de um celular, que até hoje ninguém sabe de onde surgiu, com imagens gravadas de maus tratos, escárnio e deboche. O pequeno então apresentou em vídeo o sofrimento infernal que era submetido diariamente por um pai verdugo e uma madrasta tirana. Ainda assim , por pura conveniência foi lhe negado respeito. Bernardo nesse dia, pela mesma porta que entrou, saiu acompanhado pelo pai que foi chamado.

Uma semana depois, Bernardo, o pobre menino rico, sentou-se frente a frente com o pai, na presença de um juiz. E como um pequeno adulto, completamente tolido das das despreocupações da infância, revindicou humildemente uma chave de casa, ou pelo menos um toldo, para que não mais ficasse no sol e na chuva depois que chegasse da escola, até que os malditos adultos daquela casa chegassem dos seus compromissos de trabalho, jantares chiques e baladas da moda.. Assim com a chave, poderia entrar e se alimentar, com a mesma refeição de sempre, que ele mesmo fazia, miojo, pão tostado, alguma sobra e pipoca, ao invés de ficar perambulando pela cidade. O pai monstro disse sim, e o levou para casa, Bernardo nunca ganhou aquela chave.

Ao invés disso um mês depois, Bernardo ganhou um buraco num barranco sujo. Foi ali que o menino rico, que brincava com papelão, latas e brinquedos doados, foi enterrado ainda vivo.
Foi ali que o menino rico, que não tomava banho ia sujo para escola e ficava até a noite só com a merenda, teve seu corpo ainda pulsante comido por 7 kg de soda cáustica. Foi ali que o menino rico que há 5 anos não comemorava aniversários, nunca havia ido no Mc Donalds, nunca havia visto o mar e nem ganhado uma bola, e apesar de morar em uma casa com piscina era proibido de entrar, foi jogado com doses cavalares de anestésicos injetados pela madrasta enfermeira do pai, cirurgião plástico renomado no estado do Rio grande do Sul.

Hoje começou em Três Passos o julgamento do pai cirurgião Leandro Ugulini, que administrou as doses cavalares de anestésicos, premeditada, fria e matematicamente, divididas em três seringas. Da madrasta baladeira socialite Graciele Uguline que injetou os anestésicos. Dos irmão interesseiros comercializados ao demônio por seis mil dinheiros, Edelvânea Wirganovicz que enterrou o menino e Evandro Wirganovicz que cavou o buraco.
Bernardo naquela tarde, foi atraído pela madrasta para o passeio final, achando que ganharia uma tv para no futuro instalar um vídeo game, o sonho que nunca realizou.

A noite daquele mesmo dia, Leandro e Graciele foram para uma balada a fantasia com o tema dos anos 80, Edelvânea foi visitar parentes na cidade vizinha e fazer compras, e Evandro subiu a serra gaucha para uma noite romântica com a namorada.

Poderíamos estar escrevendo aqui, mais no minimo 100 nomes. Os cúmplices que se omitiram. Os cúmplices que hoje aliviam seus remorsos, nomeando praças e ruas com o nome de um anjo, com bichinhos de pelúcia no buraco, com camisetas brancas nas datas e com a mórbida manifestação nos aniversários que esse anjo nunca teve, com bolo velas e balões em frente da casa com piscina, a qual Bernardo não era digno.

A morada mais bela do bairro, de gramado impecável onde Bernardo nunca rolou uma bola.
Nunca teve uma festa.
Onde Bernardo foi tão infeliz.


Entenda o caso

Começou nesta segunda-feira (11), no Rio Grande do Sul, o julgamento dos quatro acusados do assassinato do menino Bernardo Boldrini. O caso chocou o país há cinco anos.

A segurança foi reforçada nos arredores do fórum de Três Passos. Os quatro réus chegaram por volta das 9h: o médico Leandro Boldrini, pai de Bernardo, a madrasta, Graciele Ugulini e os irmãos Edelvânia e Evandro Wirganovicz.

A sessão começou com a escolha dos jurados. De um grupo de 25 pessoas, foram sorteados cinco homens e duas mulheres que vão decidir se os réus são culpados ou inocentes dos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver.

Bernardo Boldrini, desapareceu em abril de 2014. O corpo foi encontrado dez dias depois enterrado num matagal em Frederico Westphalen, a 80 quilômetros de Três Passos, onde ele morava.

A perícia concluiu que a causa da morte foi uma superdosagem de um sedativo, aplicado pela madrasta Graciele com a ajuda de Edelvânia; e que Evandro ajudou a enterrar o corpo da criança.

O Ministério Público afirma que Leandro Boldrini, pai de Bernardo, planejou o crime para não dividir a herança deixada pela mãe do menino, que se matou em 2010.

“A linha sustentada é a mesma linha que foi proposta na denúncia: o pai como mandante, a madrasta, então, como articuladora, sempre com o auxílio do pai, e essa terceira pessoa, a amiga que ela conseguiu em Frederico, junto com o irmão dela, para auxiliar nos atos executórios”, disse Bruno Bonamente, promotor de Justiça.

Bernardo morava com o pai e a madrasta com quem tinha uma relação conturbada.

O advogado de Gracieli Ugulini diz que ela não tinha a intenção de matar.

“Me convenço cada vez mais que foi um ato acidental e jamais projetado, programado, arquitetado antecipadamente”, afirmou Wanderlei Pompeu, advogado da Graciele Ugulini.

Os advogados de Edelvânia Wirganovicz também revelaram a tese que vão sustentar no júri.

“Ela assume a responsabilidade em relação à ocultação de cadáver e se diz inocente pelo crime de homicídio”, disse Gustavo Nagelstein, advogado de Edelvânia Wirganovicz.

A delegada que investigou o caso foi a primeira testemunha a falar.

“A gente viu que a Graciele tinha ameaçado de dar um fim no Bernardo várias vezes. Ela disse que não dava mais a situação e que gente para mandar matar é o que mais tinha. Que ou era ela ou o Bernardo. E que aí o Boldrini tinha dito ‘não, tu não me deixa’, chorou, desesperou e ‘não me deixa com essa bucha’.”, relatou Caroline Bamberg Machado, delegada.

A delegada Cristiane Moura também foi ouvida. Ao longo da semana, 12 testemunhas prestarão depoimento.

A defesa de Leandro Boldrini declarou que espera um julgamento justo e amparado nas provas do processo. A defesa de Evandro Wirganovicz não quis se manifestar.

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