Polícia Federal deflagrou na manhã desta quinta-feira (21) uma operação para prender 15 pessoas suspeitas de desviar dinheiro das obras do trecho Norte do Rodoanel Mário Covas. Até as 12h, 14 mandados haviam sido cumpridos. O Ministério Público Federal estima que houve um sobrepreço de R$ 600 milhões nos custos da obra conduzida pela OAS e Mendes Junior.
Um dos presos é Laurence Casagrande Lourenço, ex-diretor presidente da Dersa, principal alvo da operação. Atualmente, ele preside a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), que deve ser concedida à iniciativa privada. A reportagem não localizou a defesa dele para comentar a prisão.
No último ano, Laurence acumulou o cargo de secretário de Transportes e Logística do governo Geraldo Alckmin (PSDB) e deixou a pasta quando Márcio França (PSB) assumiu o governo. Ele atua no governo tucano há 17 anos e tem passagens pela Secretaria da Segurança Pública e Fundação Casa (veja mais abaixo o que dizem Alckmin e outros órgãos).
A operação Pedra no Caminho também cumpriu 51 mandados de busca e apreensão nas cidades de São Paulo, Carapicuíba, Arujá, Bofete, Ribeirão Preto e São Pedro, no estado de São Paulo, e também em Marataízes e Itapemirim, no Espírito Santo. O 15º alvo de mandado de prisão está fora do país.
O trecho Norte do Rodoanel ainda está em construção e, quando estiver pronto, vai ligar a Rodovia dos Bandeirantes à Rodovia Presidente Dutra (veja no mapa abaixo).
Outros alvos
Além de Laurence, a 5ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo expediu mandados de prisão temporária (por cinco dias) contra outras pessoas. Segundo a PF e o MPF, são elas:
- Pedro da Silva, diretor de Engenharia da Dersa;
- Benedito Aparecido Trida, chefe de departamento da Dersa;
- Adriano Francisco Bianconcini Trassi, chefe de departamento da Dersa;
- Edison Mineiro Ferreira dos Santos, funcionário da Dersa;
- Pedro Paulo Dantas do Amaral Campos, funcionário da Dersa;
- Helio Roberto Correa, funcionário da Dersa;
- Marcio Aurélio Moreira, representante legal da Mendes Júnior Trading e Engenharia S/A;
- Daniel de Souza Filardi Junior, representante legal da Mendes Júnior Trading e Engenharia S/A;
- Carlos Henrique Barbosa Lemos; ex-superintendente da OAS;
- Enrique Fernandez Martinez, diretor da Corsán-Corvian Construccion S/A;
- Jairo Teixeira dos Santos, sócio da Catita Terraplanagem Transporte, Locação e Serviços;
- Janaina Teixeira Santos Mariano, sócia da Catita Terraplanagem Transporte, Locação e Serviços.
Em nota, a Dersa disse que Pedro da Silva foi diretor de engenharia da empresa até 29 de maio, quando foi demitido.
Sobre os demais funcionários, a Dersa afirmou que “aguarda o avanço das investigações para tomar as providências necessárias, pois juntamente com o governo do estado é a maior interessada na elucidação do caso”. “Havendo qualquer eventual prejuízo ao erário público, o estado adotará as medidas cabíveis, como já agiu em outras ocasiões.”
Sobre a prisão de Marcio Aurélio Moreira e Daniel de Souza Filardi Junior, a Mendes Júnior disse, em nota, que “só se pronuncia em processos judiciais.”
A OAS disse que Carlos Henrique Barbosa Lemos não é mais funcionário da companhia.
A reportagem não localizou representantes da Corsán-Corvian para comentar o mandado de prisão contra Enrique Fernandez Martinez.
Daniel Bialski que defende Pedro Silva, diretor de Engenharia da Dersa ressaltou: “A prisão é desnecessária. Não podemos esquecer que a custódia em qualquer modalidade é uma exceção e não há demonstração de que era imprescindível. Pedro é exemplar funcionário de carreira na Dersa, com elogios e sem qualquer mácula. Ele prestará todos os esclarecimentos necessários, já que não praticou qualquer ilicitude e aguardará a revogação da medida imposta”.
O G1 procurou a empresa Catita Terraplanagem, mas não foi atendido até as 18h30 desta quinta.
Investigações
Relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria Geral da União (CGU) e um laudo pericial da Polícia Federal apontam fraude, superfaturamento e sobrepreço nos contratos firmados entre a Dersa e as empreiteiras OAS e Mendes Júnior. A OAS confirma que a PF esteve na sua sede, em São Paulo, e que colabara para prestar esclarecimentos sobre projetos novos e antigos (veja nota completa abaixo).
As investigações apontaram suposta prática de corrupção, organização criminosa, fraude à licitação, crime contra a ordem econômica e de desvio de verbas públicas. As obras contaram com recursos da União, do governo do estado de São Paulo e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e foram fiscalizadas pela Dersa.
A investigação começou em 2016 quando um engenheiro que cuidava do trecho norte se recusou a assinar aditivos do contrato de construção do trecho. Ele afirmou que tentaram o obrigar a pedir demissão e depois o transferiram de área.
As obras do trecho norte são divididas em seis lotes, tiveram início em 2013 e ainda estão em andamento. Nelas foram encontrados indícios de irregularidades. Só no lote 2, analisado pelo TCU, as irregularidades somam R$ 110 milhões.
“Para maquiar o sobrepreço adotou-se a prática de ‘jogo de planilhas’, expediente comum em fraudes a licitações com muitos itens contratados de forma global, em que o licitante oferece preço acima do mercado para alguns itens e abaixo da referência para outros, de modo a colocar-se artificialmente como menor preço global. Esse expediente é comum em fraudes às licitações”, diz o Ministério Público federal.
No lote 1, por exemplo, foram apurados aumentos de 16% a 430% em serviços de escavação e explosivos, estrutura de túneis, carga e desmonte de argamassa, acrescendo indevidamente à obra cerca de R$ 60 milhões. No lote 2 apurou-se aumento de 987% (mais de R$ 21 milhões) nos serviços de escavação e explosivos e no lote 3, aumentos de até 1.223%.
“A investigação da CGU apurou que vários contratos foram celebrados por preços baixos, relativamente ao orçamento inicial previsto pela Dersa, sendo incluídos outros serviços por meio dos termos aditivos para elevar substancialmente o custo das obras e prejudicar a concorrência, burlando o verdadeiro objeto da licitação. Os acréscimos indevidos nos lotes 1, 2, 3 e 5 alcançaram mais de R$ 143 milhões”, diz a procuradoria.
O que dizem os citados
A Cesp Cia. Energética de São Paulo respondeu, por meio de nota, que não vai se pronunciar “porque os fatos, alvos da operação, não aconteceram no âmbito da empresa, nem no período em que o Sr. Laurence Casagrande Loureço preside a Companhia”.
A Dersa, estatal responsável pela obra, informou em nota que o órgão e governo de São Paulo “são os maiores interessados acerca do andamento do processo. Havendo qualquer eventual prejuízo ao erário público, o Estado adotará as medidas cabíveis, como já agiu em outras ocasiões”.
O ex-governador Geraldo Alckmin afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que recebeu a notícia com surpresa e “que não tem conhecimento dos dados em que se amparou a ação da Polícia Federal. Laurence Lourenço goza de confiança com anos de bons trabalhos e que se houver algo ilícito, que haja responsabilização”, diz nota.
A OAS divulgou a seguinte nota: “Agentes da Polícia Federal estiveram nesta manhã na sede da OAS em São Paulo, numa operação de busca e apreensão de documentos relativos a obras do Rodoanel paulista, das quais é responsável pelos Lotes 2 e 3 do trecho Norte. Um ex-executivo da empresa que esteve à frente do projeto – fora dos quadros da companhia desde 2016 – também teve prisão temporária decretada.
Em razão desses acontecimentos, a nova gestão da OAS esclarece à opinião pública, aos nossos colaboradores, aos nossos credores e aos nossos fornecedores que considera relevante não deixar pairar dúvidas ou suspeitas sobre os negócios anteriores à sua chegada ao comando da empresa. Em razão disso, os atuais gestores da construtora têm prestado às autoridades todos os esclarecimentos a respeito de atividades e contratos sobre os quais haja questionamentos – no projeto do Rodoanel em particular e em todos os outros que realiza.
A OAS já firmou acordos com o Cade e vem trabalhando com outros órgãos fiscalizadores para acertar contas com o Estado e o povo brasileiro. A nova gestão da OAS entende que colaborar para elucidar tais questionamentos é um imperativo para dar continuidade a suas operações de acordo com os mais elevados padrões de ética e transparência corporativa, único caminho possível para recuperar o lugar de excelência que sempre ocupou na engenharia do país.”
A Mendes Júnior diz que só se pronuncia em processos judiciais.
Outras denúncias
- Fraude no trecho Sul
Após a Odebrecht assinar um acordo de leniência com a Justiça, ex-executivos da empresa delataram a formação de um cartel formado por grandes empreiteiras para dividir as obras do trecho sul do Rodoanel.
O lote dois ficou com a Odebrecht, em uma licitação que, segundo delações, foi combinada entre as construtoras e a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A). Na época da construção, Serra era o governador e Aloysio, chefe da Casa Civil do estado.
O inquérito instaurado após o acordo diz que, assim que a Odebrecht venceu a licitação, ainda em 2006, “Mário Rodrigues Júnior, então diretor de engenharia da Dersa, teria solicitado pagamento de R$ 1,2 milhão sob alegação de que tais valores seriam destinados ao custeio de campanhas eleitorais”.
Já em 2007, com a Dersa sob direção de Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, a empresa renegociou contratos com a Odebrecht e com as construtoras dos outros lotes do Rodoanel.
- Fraude no trecho Norte
Em abril de 2017, uma reportagem do Jornal Hoje disse que a Procuradoria-Geral da República (PGR) também apurava o superfaturamento de terrenos em desapropriações no trecho Norte do Rodoanel.
O esquema, envolvendo peritos, donos de terrenos e advogados, chegavam a pedir um valor pelos terrenos equivalente a 2.000% do estipulado inicialmente. A Dersa é a responsável pelas investigações.
Fonte: G1