Rebecca Henschke e Pijar Anugrah
Serviço Mundial da BBC
A Indonésia lançou um programa de vacinação em massa gratuito contra a covid-19 em uma tentativa de impedir a propagação do vírus e fazer sua economia voltar a se aquecer.
Mas o país está adotando uma abordagem diferente dos demais. Em vez de vacinar os idosos na primeira fase, depois dos trabalhadores da linha de frente, ela terá como alvo os trabalhadores mais jovens com idade entre 18 e 59 anos.
A Indonésia vai usar a CoronaVac, a mesma que o Instituto Butantan fornecerá para parte da população brasileira. No Brasil, no entanto, o Ministério da Saúde vai priorizar trabalhadores de saúde e idosos.
O presidente Joko Widodo, 59, foi a primeira pessoa no país a receber a vacina na quarta-feira. O vice-presidente Ma’ruf Amin, de 77 anos, não receberá a vacina ainda porque está fora do grupo prioritário.
Por que priorizar jovens adultos que trabalham?
O professor Amin Soebandrio, que faz parte de um conselho que assessorou o governo em sua estratégia de “juventude primeiro”, argumenta que faz sentido priorizar a imunização dos trabalhadores — aqueles “que saem de casa e se espalham por todo o lugar e depois à noite voltam para casa, para suas famílias “.
“Nosso alvo é aqueles que provavelmente espalharão o vírus”, disse ele à BBC Indonésia, serviço de notícias da BBC para o país.
Ele argumenta que essa abordagem dará ao país a melhor chance de obter imunidade de rebanho, algo que ocorre quando uma grande parte de uma comunidade se torna imune por meio de vacinações ou da disseminação em massa de uma doença.
Acreditava-se que 60-70% da população global precisaria ser imune para impedir que o coronavírus se propague facilmente. No entanto, esses números aumentarão consideravelmente se as novas variantes, mais transmissíveis, se espalharem amplamente.
“Esse é o objetivo de longo prazo — ou pelo menos reduziremos significativamente a propagação do vírus para que a pandemia fique sob controle e possamos fazer a economia andar novamente”, disse o professor Soebandrio.
A Indonésia, com população de 270 milhões, tem o maior número cumulativo de casos de covid-19 no sudeste da Ásia. Segundo dados do governo, cerca de 80% dos casos são da população trabalhadora.
Embora escolas e escritórios do governo estejam fechados há quase um ano, o governo tem resistido a colocar em prática restrições rígidas, temendo o impacto na economia do país. Mais da metade da população trabalha no setor informal, portanto, para muitos, trabalhar em casa não é uma opção.
O ministro da Saúde do país, Budi Gunadi Sadikin, defendeu a estratégia e insiste que não se trata apenas da economia, mas de “proteger as pessoas e visar primeiro aqueles que provavelmente a pegarão e espalharão”.
“Estamos nos concentrando em pessoas que têm que conhecer muitas pessoas como parte de seu trabalho; moto-táxi, policiais, militares. Portanto, não quero que as pessoas pensem que isso é apenas sobre economia. Trata-se de proteger as pessoas”. ele disse.
E quanto aos idosos?
O governo argumenta que oferecerá também proteção aos idosos.
“Imunizar os membros que trabalham em uma família significa que eles não estão trazendo o vírus para dentro de casa, onde estão seus parentes mais velhos”, disse Siti Nadia Tarmizi, porta-voz do Ministério da Saúde para o programa de vacinação contra covid-19.
A maioria dos idosos na Indonésia vive em lares com pessoas de outra geração, e isolá-los do resto da família costuma ser impossível.
“Portanto, é um benefício adicional dessa abordagem, que ao vacinar pessoas de 18 a 59 anos também oferece alguma proteção aos idosos com quem vivem”, disse ela.
No entanto, há um problema: não se sabe se a vacina impede a disseminação do vírus ou se ela impede apenas o desenvolvimento de sintomas graves.
“Simplesmente não temos essa informação ainda”, disse o professor Robert Read, especialista que assessora os departamentos de saúde do Reino Unido sobre imunização.
“A razão pela qual o Reino Unido não imunizou antes a população mais jovem, é que, primeiro, os mais jovens não contraem uma doença tão grave e, segundo, não fomos capazes de demonstrar ainda que as vacinas têm qualquer impacto na transmissão”, disse ele.
A abordagem da Indonésia, disse ele, precisaria de uma absorção de vacina muito alta — “pelo menos 50% com toda a probabilidade, para impedir a morte e hospitalização em sua população mais velha”.
“É possível que, se eles obtiverem taxas de cobertura muito altas, haja algum impacto na transmissão, embora obviamente ainda não tenhamos visto isso.”
Que testes a Indonésia conduziu?
A Indonésia adotou sua abordagem única em parte porque a principal vacina que está usando não foi testada em idosos.
O país está dependendo fortemente da CoronaVac fabricada pela chinesa Sinovac para inocular sua população, com 3 milhões das 125 milhões de doses prometidas já entregues e sendo distribuídas para unidades de saúde em todo o país.
O governo só realizou testes na faixa etária de 18 a 59 anos como parte do estudo multipaíses Sinovac.
“Cada país poderia fazer testes em uma faixa etária diferente e a Indonésia foi convidada a fazer o teste com a população trabalhadora”, disse a Dra. Nadia. A Indonésia vai começar a imunizar os idosos, diz o ministério, na segunda rodada, com vacinas da Pfizer-BioNTech e Oxford-AstraZeneca.
Mas mesmo que eles tivessem sido solicitados a testar em pessoas com mais de 60 anos, ela diz que provavelmente ainda estariam focados em imunizar a população trabalhadora primeiro, pois eles acreditam que isso protegerá a maioria das pessoas.
A Indonésia diz que a vacina da Sinovac tem uma eficácia de 65,3%, mas descobriu-se que é 50,4% eficaz em testes clínicos no Brasil, segundo os resultados mais recentes. Os especialistas dizem que somente quando tivermos dados completos saberemos sua real eficácia e seremos capazes de compará-la com outras vacinas.
Como os cientistas veem a estratégia?
“Não sabemos se vai funcionar e isso precisa ser avaliado”, disse Peter Collignon, professor de doenças infecciosas da Australian National University.
Mas ele disse que faz sentido adaptar a estratégia de vacinação para as circunstâncias de um país.
“Se você é um país em desenvolvimento, posso ver como uma política de proteção de seus jovens trabalhadores adultos, aqueles que espalham mais o vírus, pode ser um método razoável, porque você não pode realmente dizer às pessoas para ficarem em casa.”
O Prof Read concordou, dizendo: “Não cabe a nós, nos países ocidentais ricos, dizer a outros países ao redor do mundo o que eles deveriam estar fazendo”. Ele disse que acha que a abordagem indonésia “pode ser a coisa certa para o seu país” e destacou que, globalmente, todos não têm certeza de qual é a coisa certa a fazer no momento.
O professor Dale Fisher, do National University Hospital, disse que a Indonésia estava adotando uma “abordagem pragmática”.
“Eles estão dizendo que vamos vacinar essa faixa etária sobre a qual temos os dados. É um grupo acessível e certamente ajudará a manter os negócios funcionando”, disse ele.
Como a Indonésia está lidando com a pandemia?
O plano ambicioso da Indonésia não será fácil de executar.
A sua população é a quarta maior do mundo, espalhada por um vasto arquipélago junto ao equador, onde existem grandes desafios logísticos em termos de manter as vacinas à temperatura exigida.
O sistema de saúde já está sofrendo com o aumento do número de casos.
Os cemitérios em Jacarta, o epicentro da pandemia, estão lotados e os hospitais dizem que estão lutando para lidar com o número de pacientes.
O especialista em saúde pública, Dicky Budiman, da Griffith University, da Austrália, disse que o governo precisa fazer mais para proteger os vulneráveis, fortalecendo o que ele chamou de estratégia pandêmica fundamental: testar, rastrear e tratar e impor o distanciamento social.
O jornalista local Citra Prastuti em Jacarta, que acabou de se recuperar do vírus, disse que “sair de casa é como entrar em uma zona de guerra, com o número crescente de grupos familiares — parece que nenhum lugar é seguro o suficiente para nós”.
Ela disse que as mensagens de saúde pública têm sido confusas e conflitantes. “As pessoas são incentivadas a ficar em casa durante o feriado, mas os hotéis oferecem descontos e não há restrições de transporte.”
E não houve rastreamento de seu caso, disse ela, depois que relatou às autoridades de saúde locais.
“Portanto, não sei se estou incluída nos dados gerais da covid ou não”, disse ela. “Acho que muitas pessoas veem a vacina como uma saída fácil, como a cura de todas as doenças, como o salvador final.”
Há também uma preocupação sobre se a vacina é halal – algo importante para muçulmanos.
A gelatina derivada de porcos é usada como estabilizador em algumas vacinas, mas o consumo de carne de porco é proibido aos muçulmanos, que representam cerca de 90% da população indonésia.
E mensagens têm circulado nas redes sociais na Indonésia dizendo que a vacina Sinovac contém elementos de macacos.
O presidente Widodo, ele próprio um muçulmano, disse que não deveria se importar porque se trata de uma emergência de saúde, mas alguns estão procurando orientação religiosa.
O Conselho Ulema da Indonésia (MUI), cujo trabalho é decidir essas coisas, manteve longas discussões e, após uma auditoria profunda, anunciou que a vacina da Sinovac é halal.
Anteriormente, 30-40% das pessoas entrevistadas pelo Ministério da Saúde expressaram dúvidas sobre a vacina contra covid-19 e 7% disseram que não queriam ser vacinadas.
A preocupação sobre se a vacina era halal ou não foi uma das principais razões, disse a doutora Nadia.
“Louvado seja Deus, isso foi esclarecido”, disse ela.