Quando o horário de verão foi extinto por decreto presidencial, em abril de 2019, o assunto foi o mais comentado do Twitter. A mudança causou um frisson entre os usuários, que falavam, sobretudo, do impacto que uma hora a mais de sol poderia ter na rotina.
Dois anos depois, o assunto volta com mais força à pauta, mas, desta vez, de especialistas, preocupados com a crise elétrica pela qual o país passa. Será que o horário de verão poderia ajudar a evitar um colapso energético diante da seca nos reservatórios das hidrelétricas?
A resposta, para especialistas do setor, é sim.
Após idas e vindas, o horário de verão, criado em 1932, vigorou pela última vez há dois anos, quando o presidente Jair Bolsonaro decidiu suspendê-lo, usando como justificativa “um parecer” do ministro Bento Albuquerque “100% favorável ao fim do horário de verão” por conta da sua pouca efetividade.
Segundo o ex-diretor do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) Luiz Eduardo Barata, a proposta não partiu de dentro do setor elétrico. “Acredito que o governo tivesse outro tipo de informação, além das informações do setor. O horário de verão não era prejudicial, acontece que, ao longo dos anos, numa mudança no comportamento da carga, ele foi perdendo a importância”, diz à CNN.
Dados do Ministério de Minas e Energia e do ONS apontaram que, entre 2013 e 2018, a economia de energia relacionada ao horário de verão caiu de R$ 405 milhões para R$ 140 milhões. O horário de verão vinha perdendo efetividade porque a luz que não era acesa entre as 18h e as 20h estava sendo substituída pelo funcionamento prolongado do ar condicionado.
O fim do horário de verão extinguiu até mesmo esse pequeno ganho que havia, diz o ex-diretor da ONS, que apoia uma reavaliação da medida por parte do governo. “Uma das alternativas é o retorno do horário de verão, sim”, diz. “Diante dessa crise, eu acho que o horário de verão é uma variável que poderia ser usada para ver se acrescentaria algum ganho, por menor que seja, já que estamos numa situação de muito aperto”, destaca.
Cláudio Frischtak, sócio da consultoria financeira InterB, que desenvolve um estudo sobre o problema da governança da água no país, aponta que a decisão do governo foi “extemporânea” e “autoritária”, e que não foi considerado nenhum critério técnico. Ele afirma que a medida ajudou a fomentar a crise hídrica, que deve se arrastar até o ano que vem, e, por consequência, a crise elétrica. Vale destacar que 90% da energia produzida no país depende da situação dos reservatórios de água.
O especialista também defende o retorno do horário de verão como forma de aplacar a crise, ainda que de forma parcial. “Eu avalio que o retorno do horário de verão seria positivo do ponto de vista de economia de energia, principalmente se acompanhado de uma campanha de esclarecimento”.
Frischtak avalia que, além do ar condicionado ter substituído as luzes apagadas nas horas a mais de sol, a redução da eficiência do horário de verão está relacionada também com a queda do engajamento da população. “No racionamento de 2001, o público foi sensibilizado e educado para consumir menos energia, mas essas campanhas foram deixadas de lado. A eficácia do horário de verão também se reduziu por conta disso”.
Para além de medidas pontuais e emergenciais para conter as crises hídrica e elétrica, o consultor diz que é preciso mudar a maneira como se governa a água. “Se houvesse governança, haveria uma suspensão imediata do desmatamento da Amazônia porque é uma das causas da escassez de água aqui nos reservatórios do centro sudeste, as pessoas se esquecem disso. O impacto do desmatamento é sobre a agricultura, o saneamento básico e também sobre a oferta de água e de energia no país”, destaca.