Desde outubro do ano passado toda pessoa presa em Flagrante em Santa Catarina é apresentada a um juiz criminal em até 24 horas nas chamadas “audiências de custódia”. Na Capital, o sistema funciona desde 2015 e no início chegou a sofrer resistência de promotores e magistrados. O resultado dessas audiências, segundo informações do Tribunal de Justiça, é de que 52% dos presos em flagrante no Estado acabaram sendo liberados para o cumprimento de medidas alternativas à prisão.
O assunto ganhou repercussão no último final de semana depois que um jovem preso em flagrante na posse de um fuzil de guerra foi liberado na audiência de custódia. A decisão da juíza Ana Luísa Schmidt Ramos chegou a motivar manifestação pública do comandante da Polícia Militar, que classificou o ato como ameaça. Pouco mais de 24 horas depois, a desembargadora Bettina Maria Maresch de Moura reviu a decisão e decretou a prisão do homem.
O chamado “prende e solta” é assunto antigo entre as instituições policiais. No meio popular virou jargão para impunidade. Parte dessa indignação está registrada nos comentários das notícias publicadas pelo ND Online sobre o caso.
Por outro lado, a implantação das audiências de custódias tem como justificativa o direito de todo preso se defender perante um juizado e o de não manter preso pessoas que dentro dos limites da lei podem responder em liberdade.
No meio policial, as decisões de liberação de presos em flagrante sempre gera controvérsia. Os comentários são de que as forças policiais estão enxugando gelo. Policias consultados pela reportagem afirmaram que casos como esses acontecem todos os dias.
A reportagem voltou a procurar o comando da Polícia Militar para comentar tanto o caso da apreensão do fuzil como os demais resultados das audiências de custódia, mas a informação é de que a corporação não se manifestará sobre o assunto.
Representante da OAB diz que PM tem que apresentar elementos
Desde que o sistema das audiências de custódia passou a funcionar no Estado mais da metade dos presos acabam tendo encaminhamentos diversos ao encarceramento. A medida, também tem trata como pano de fundo da situação do sistema prisional, que vive uma crise.
Segundo Sandro Sell, da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Santa Catarina, nas audiências de custódia o juiz não analisa o mérito da prisão em si, mas sim a legalidade, a integridade do preso e a necessidade de ser mantido encarcerado.
“Se a polícia diz que tinha informação de que naquele local havia armas deveria ter ao menos pedido um mandado de busca ou ter fornecido os elementos dessa investigação para a juíza. A magistrada julgou o caso com base em fatos que ela tinha”, avaliou Sell.
Uma das informações constantes no boletim de ocorrência é o de que a arma pertencia a uma facção criminosa, no entanto, não teria restado provado isso na prisão. “É difícil de acreditar que um novato teria a confiança de um armamento desses de uma facção. Sabemos que em muitos casos as pessoas chegam a serem coagidas a guardarem armas e drogas”, emendou.
Sobre o pedido de informações da Justiça sobre o preso não estar de camiseta no momento da audiência, o jurista reforça que se ele foi preso em casa poderia ter se vestido adequadamente para se apresentar ao juizado. “E se a polícia tem uma explicação que desse a explicação”.
Na decisão que reverteu a liberdade em prisão a desembargadora Bettina Maria Maresch de Moura também derrubou a necessidade de explicações por parte da PM.
Mais de 40 mil armas apreendidas em cinco anos
Entre 2013 e 2018, segundo dados do Portal da Transparência de Santa Catarina, foram tiradas de circulação 41.734 armas. O ano de maior apreensão foi em 2016, quando a entrada de armas no Estado deu um salto. A apreensão de fuzis e metralhadoras, algo até então raro no Estado, passou a se tornar realidade a partir daquele ano.
Segundo informações da Polícia Civil, a maior parte dessas armas entram pelas fronteiras do Estado, muitas vindas de fora do país. O dado mais atualizado da SSP até agosto de 2018, onde são apontadas 4.482 apreensões.
As maiores apreensões ainda são de pistolas e revolveres. Em 2018, até agosto, foram 1.375 apreensões desse tipo. Em 2017 foram 2.320.
Apreensões de armas por ano:
- 2018 – 4.482*
- 2017 – 7.132
- 2016 – 8.236
- 2015 – 8.092
- 2014 – 7.374
- 2013- 6.418
*Até agosto de 2018
O que é audiência de custódia:
A implantação das audiências de custódia atende tratados internacionais para apresentação de presos à Justiça em até 24 horas. Um desses tratados é o Pacto de San José da Costa Rica, de 1992. Na audiência, que conta com a participação de representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública ou da defesa do preso, o juiz pode avaliar a legalidade, necessidade e adequação da prisão ou a possibilidade de adoção de medidas alternativas.